Férias, descanso e tempo
Este é o último
fim de semana de julho, o que significa que esta rubrica semanal ficará em
pousio. Quem a escreve terá quatro semanas descomprometidas e quem a lê já como
rotina terá de a alterar um pouco e também não será difícil, com toda a
certeza.
Hoje, farei
uma espécie de “mixórdia de temáticas”, mas sem o sentido de humor de Ricardo
Araújo Pereira. Começo pela Jornada Mundial da Juventude, que tem trazido gente
jovem e menos jovem, oriunda de todo o globo. Ficam em famílias de acolhimento
e vivem, juntamente com eles, um espírito de fraternidade e de partilha. Não
acolhi ninguém das jornadas, mas conheço a experiência, por já ter recebido a
minha Gaia durante uns meses. Há quem conteste imenso o dinheiro gasto e os
mais radicais resguardam-se na laicidade do Estado e nos últimos escândalos associados
à pedofilia, dentro da Igreja. É preciso saber-se que uma certa quantidade de
árvores não faz a floresta inteira e que a par dessa gente que trai os princípios
cristãos também há muitos que são capazes de dar um verdadeiro testemunho do
seu cristianismo. Hoje, o Parque da Cidade do Porto recebeu imensos peregrinos.
Diz quem lá esteve que o ambiente foi de alegria contagiante, de
multiculturalidade, com milhares de jovens a cantar e a pular, de forma sadia e
sem comportamentos de risco associados a outro tipo de eventos. Numa das
paróquias do concelho, há uma família eslovaca de seis: os pais e quatro
filhos. Todos pequenos. O mais novo com apenas um ano. Vieram assim, com fé e correndo
o risco de terem de se separar e ficar em casas distintas. Correu-lhes bem. Alguém
teve condições e generosidade para os albergar a todos. Não teria essa coragem,
a de partir com tanto filho pequeno sem saber bem para onde e em que condições.
O espírito que os anima e os une não passa despercebido. Isto, seja-se crente
ou não, mais crítico ou menos crítico em relação à despesa e a um possível retorno
económico, não nos deixa indiferentes. Num mundo cada vez mais global, mas onde
o egoísmo impera e que é ferido constantemente por conflitos entre os povos,
esta jornada, com as pessoas que movimenta num convívio salutar e multicultural,
que promove a tolerância e a aceitação do outro, só pode ser observada como uma
luz de esperança para um futuro que se quer melhor. Quem não concorda com o
evento pelo facto de não ser religioso, bem, goste ou não, a matriz cultural
europeia é a judaico-cristã. Para o bem e para o mal. Nem todos gostam de
futebol e já cá tivemos o europeu e o mundial, onde se terá gastado mais na
construção de estádios… Acolhemos outro tipo de espetáculos musicais que podem
também não ser do agrado de toda a gente. Não me parece correto que se use de
dois pesos e de duas medidas. Estou à vontade para falar, porque nunca marquei
presença em nenhum. Também não estarei em Lisboa. Penso que o Luís Osório, no
seu “Postal do dia” fez uma análise bastante correta, de que gostei, e cujo
texto já partilhei. Olhar para esta jornada apenas do ponto de vista económico
é absolutamente redutor. O Papa Francisco tem sido uma voz constante na defesa
dos mais desvalidos, dos refugiados, dos pobres, das vítimas em todas as
circunstâncias e tem apontado o seu dedo crítico ao capitalismo feroz e
desregrado que sobrepõe o interesse económico à vida humana. Um milhão de
pessoas em Lisboa significa que partilham da visão do Papa, que é o grande
motor para a vinda de todos. Quantos não estarão presentes por falta de
oportunidade e não por falta de vontade… Para mim, esta mobilização é um sinal inequívoco
de que ainda há esperança. Há jovens comprometidos na construção de um mundo
melhor, eles que são o futuro das nações.
Aprecio o
que me rodeia à distância. Apesar de admirar o Papa Francisco, não me vejo metida
no meio de multidões e de confusão. Evito-as. Gosto cada vez menos de grandes
ajuntamentos. Sinto-me sempre uma estrangeira, expulsa da sua própria casa.
Tem-se agravado com a idade e com a perda de vontade de pertença ao grupo
alargado. Gosto da intimidade e do privado. Dos encontros genuínos com amigos,
no sossego e no resguardo do lar. A convivência que aprecio tem de ser
significativa e poucas coisas o são, efetivamente. Não adianta tentarem
agarrar-me pelo braço e puxar-me pela manga, porque não vou. Não quero e não
estou em idade de precisar de me adaptar a contextos que nada me dizem. Não é
petulância, muito menos arrogância, apenas exercer o direito de preservar o meu
ser, sem que o sinta agredido, sem fazer frete. O pleno usufruto da minha
liberdade, mesmo que os filhos julguem a mãe um bocadinho estranha. Já tive a
minha boa dose de multidões (selecionada mediante o gosto) em tempo útil da
juventude. Tudo tem o seu tempo e, atualmente, o meu é outro. Sem retorno e inegociável.
Preciso de pausar o tempo e de o viver mais demoradamente. Hoje, no quarto da
filha, os olhos depararam-se com os novos quadros que pôs na parede. Quis
retirar a suas fotos de menina de três ou quatro anos e, de repente, essa
pequena criança deixou de existir. Há uma pré-adolescente que elimina as
memórias da sua mais tenra infância sem saber que a mãe tem saudades dessa
menina, desse irmão mais pequeno também… Sem se dar conta de que o tempo carrasco
não deixa ninguém impune. Portanto, há demasiadas distrações que nos descentram,
nos roubam a nós mesmos e nos distraem com superficialidades. Há significativos
irrecuperáveis e ou os vivemos quando assim tem de ser ou escapar-se-nos-ão por
entre os dedos, líquido e rarefeito.
Votos de
umas boas férias. Reencontrar-nos-emos em setembro, assim espero.
Nina M.
Sem comentários:
Enviar um comentário