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sábado, 15 de julho de 2023

Crónica de Maus Costumes 334

 

 Maternidade: Prós e contras

             Os meus olhos cruzaram-se com um texto, durante a semana, em que uma mulher afirmava que a opção de não ter filhos poderia ser uma escolha altruísta, devido ao estado em que se encontra o mundo.

            Fiquei parada a olhar para aquelas linhas, a pensar… Pelos vistos, antes de mais, há a tese de que o altruísmo, afinal é egoísta, porque a ação de fazer o bem e de alegrar o outro, ao que parece, traz mais benefícios ao agente do que ao beneficiado. Parece que são libertadas umas certas hormonas como a dopamina, a serotonina, a oxitocina, responsáveis pela sensação do bem-estar. Portanto, alegrar alguém com um gesto, com uma palavra de apreço, com um presente parece trazer benefícios ao próprio. Portanto, só temos a ganhar com as atitudes positivas.

Compreendo a ideia que sustenta tal afirmação, mas não me convence. Afirmar que trazer um filho ao mundo pode ser um ato egoísta e não gerar vida pode ser um gesto altruísta, porque iríamos poupar o novo ser ao desgosto de crescer e de se desenvolver num mundo alucinado e pouco razoável, não me parece argumento de monta. O mundo nunca foi recomendável! Sempre houve fome, guerra, ódio, misérias e opressões. Se todos pensássemos dessa forma, o ser humano estaria extinto. A crueldade existente nunca demoveu a humanidade de procriar. Parece-me mais lógico cada um trabalhar individualmente em prol de um mundo higiénico, porque se formos pensar na linha do tempo, desde os primórdios, a vida humana é feita de convulsões e nunca houve tantas condições. Naturalmente, também aqui há cisões abruptas e fossos absurdos e nem todos os homens têm o mesmo conforto, mas julgo que é inegável a evolução positiva, numa visão mais ampla da história da humanidade. Obviamente, a humanidade está muito longe de ser perfeita e há um longo trabalho a ser feito, mas deverá, precisamente, o ser ocidental questionar a maternidade ou paternidade como um gesto de altruísmo se nunca teve tantas condições favoráveis? Não serão estas até as responsáveis por uma certa doença da pós-modernidade, em que o tanto já é tão em demasia que sobra apenas um vazio imenso? Um tédio inexplicável e uma anedonia injustificável, num mundo em que quase se tem tudo e nada se abarca nem satisfaz. Parece que o facto de o homem não precisar de lutar pela sua sobrevivência o deixou à deriva, sem um sentido e um propósito que justifique a sua existência. Perante este cenário, surgirá o pensamento de que não valerá a pena trazer crianças ao mundo…  É verdade que se a população existente no planeta fosse estrategicamente redistribuída, sem olhar a fronteiras e nações (afinal o planeta é a casa de todos) a Europa não seria tão envelhecida. Paradoxalmente, temos um planeta sobrepovoado, em que os países ricos esgotam rapidamente os recursos naturais. Há quem defenda o decréscimo do ritmo de crescimento populacional nos países em vias de desenvolvimento como parte da resolução do problema, acompanhado de outras medidas, naturalmente, como o recurso mais regrado da energia, uma melhor gestão das zonas urbanas, a proteção da água, um crescente controlo da exploração florestal e a preservação das terras cultiváveis.

Não me parece, no entanto, que a decisão de ter um filho passe por esta postura de não querer sobrepovoar o planeta. A mulher tem o direito de não querer ter filhos e uma análise racional, tecnicista e fria aconselha-o vivamente. Desde logo, cada filho até atingir a maioridade representa uma despesa de cerca de duzentos mil euros aos pais (se eu colocar o numerário em viagens e livros, ainda me arrependo de ter tido os meus…), depois, a responsabilidade, a preocupação, o centro e o foco da vida passam a ser eles, inevitavelmente. Há perda de liberdade, na medida em que os pais assumem a tarefa de criar e de educar um novo ser que não pediu para nascer e tudo o que possamos fazer pode direta ou indiretamente prejudicá-los. Para não falar das situações aborrecidas como as noites mal dormidas, as doenças que sempre surgem, as birras, a exigência de atenção que não se compadece de cansaços e um dar de si a todo o instante, sempre mais e sempre de forma inesgotável, até ao fim dos nossos dias.

Na verdade, é muito fácil conseguir elencar um enorme número de razões para não se ser mãe nem pai e o altruísmo é a última que me ocorre.

A favor, apenas duas e, por sinal, egoístas: o privilégio de saber o que é o amor incondicional. Saber com todo o coração que daríamos, sem pestanejar, a vida por aquele ser que acolhemos no ventre e a possibilidade de prolongarmos os nossos genes na vida terrena, o que nos confere uma certa imortalidade. Estas duas razões ofuscam todos as outras contrariedades. Confirma-se a teoria de que quem dá amor, faz o bem, cuida, muitas vezes, sem vontade e com sacrifício, apenas porque ama, é o beneficiado. Por isso, os pais, mesmo exauridos, quando olham as suas crias, sobra apenas o amor, o retemperador de forças que os induz cuidado, sempre renovado, sem contas nem reclamações.

A minha pequena Matilde, na sua ânsia de compreender o mundo, pergunta-me muitas vezes se preferiria que morresse ela ou eu. E a minha resposta é invariavelmente a mesma: claro que preferiria morrer eu. Nem gosto que me fales assim. E ela insiste em querer saber os motivos. Tento explicar-lhe que a morte dela ou do irmão seria a morte em vida da mãe. Não há nada que me assuste mais. Invariavelmente, ela arregala os olhos e diz-me: mas, ó mãe, morrerias. Trocarias a tua vida pela minha? Sem pestanejar, respondo. Ela cala-se e eu sei o que lhe vai na alma. O que ela não me diz e daí vem o seu espanto é que ela não seria capaz de o fazer por mim. Tenho de acrescentar, para serenar o seu coração, que o amor de uma mãe por um filho é sempre maior do que o inverso e está bem assim, por isso, nenhum filho precisa de dar a vida pela mãe ou pelo pai, porque nenhum deles aceitaria.

 

Nina M.

 

 

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