Seguidores

sábado, 12 de novembro de 2022

Crónica de Maus Costumes 299

 Questão de Honra

            Deparei-me, hoje, com uma cena do filme cujo título resgatei para dar nome à crónica. Da autoria de Rob Reiner, em 1992, com um elenco de luxo, com nomes como Tom Cruise, Demi Moore, Kevin Bacon, Kevin Pollak e o gigante Jack Nicholson faria furor.

Tom Cruise teria trinta anos ainda que aparentasse menos e era o menino bonito da época. Haveria adolescente que não tivesse uma paixoneta pelo “Tom das Cruzes?” O filme é bom, mas não convence pela beleza de um dos seus protagonistas, mas pela narrativa e pela mensagem que passa. A cena que especificamente relembrei é extraordinária. Nicholson tem uma interpretação sublime, de nos deixar sem fôlego. É isto que a arte nos faz, se nos toca, tira-nos o ar. Vi o filme algum tempo mais tarde, mas há tempo suficiente para não me lembrar com detalhe do enredo, mas ao voltar à cena em que Cruise, o advogado exibicionista da marinha, que defende dois marines acusados de terem matado um colega, por lhe terem aplicado o “código vermelho”, punição fora da cartilha militar cuja existência ninguém confirma, tem de enfrentar em Tribunal o temível comandante Jack Nicholson. Poucos esquecerão a deixa: “I want the truth!”, “ You can’t handle the truth!”

O advogado vence o comandante, porque o enfurece e consegue arrancar-lhe a confissão de que tinha ordenado o código vermelho, punição que poria termo à vida do soldado. O comandante era o autor moral do crime. O filme obriga-nos a questionar os conceitos de lealdade e de honra perante uma instituição e, sobretudo, se essa lealdade se deverá manter perante um caso de homicídio, mesmo que involuntário. O narcisismo do comandante, numa interpretação brilhante de Nicholson, expõe a sua frieza e a sua aparente superioridade moral. É esta, aliada à sua vaidade que o desequilibram, tornando-o irascível e fazendo-o perder a sua racionalidade, acusando o advogado de ter o atrevimento de lidar com questões que desconhece e que não compreende, convidando-o a pegar numa arma e a defender a liberdade antes de questionar certos procedimentos, afirmando que a morte do soldado pode ter salvado vidas.

Certo é que a Europa vive um cenário de Guerra e, imediatamente, me questionei se também nós, cidadãos comuns, seremos capazes de lidar com a verdade. Os russos retiram-se de Kherson. Ao que parece, não lhes restaria outra alternativa. A força militar russa não é o que gostariam de fazer parecer. Têm um exército esfrangalhado, cheio de gente que não passou de carne para canhão. Eu gostaria mesmo que fossem obrigados a retirarem-se da Crimeia também, porque esse assalto, já em 2014, foi uma vergonha. Espero que fique claro para o mundo que, no século XXI, não se aceitam comportamentos imperialistas e invasores, de alargamento de fronteiras, independentemente do poderio militar que o país possa ter. Serão os russos capazes de lidar com a verdade quando tudo isto terminar? Saberão que muitos dos que morreram não passaram de peões num jogo de Xadrez jogado pelos grandes que não hesitam em sacrificar inúmeras vidas para salvaguarda da honra militar? Gostaria que fossem bafejados pela coragem de olhar nos olhos do povo invadido e de sentir os crimes de guerra sucessivamente cometidos. Gostaria que percebessem que não deve haver guerra sem lei e, sobretudo, que foi tempo de desespero e de inutilidade.

Não poderia escolher melhor altura para ler “Guerra e Paz”. Tanto ainda permanece semelhante: os soldados, peças de xadrez dispostas e distribuídas com frieza, a tentarem sobreviver em condições miseráveis, com fome e frio. Pilham os próprios camponeses russos antes que cheguem os franceses. E os comandantes, esses, ocupam os palácios abandonados dos seus compatriotas. Continuam a viver confortavelmente e a organizar serões, enquanto desenham os próximos movimentos no tabuleiro da guerra, a partir do conforto de casa, em busca de promoções. A eterna vaidade humana…

Uma questão de honra seria evitar o sangue dos outros.

 Nina M.

Sem comentários:

Enviar um comentário