Questão de Honra
Deparei-me, hoje, com uma cena do
filme cujo título resgatei para dar nome à crónica. Da autoria de Rob Reiner,
em 1992, com um elenco de luxo, com nomes como Tom Cruise, Demi Moore, Kevin
Bacon, Kevin Pollak e o gigante Jack Nicholson faria furor.
Tom
Cruise teria trinta anos ainda que aparentasse menos e era o menino bonito da
época. Haveria adolescente que não tivesse uma paixoneta pelo “Tom das Cruzes?”
O filme é bom, mas não convence pela beleza de um dos seus protagonistas, mas
pela narrativa e pela mensagem que passa. A cena que especificamente relembrei
é extraordinária. Nicholson tem uma interpretação sublime, de nos deixar sem
fôlego. É isto que a arte nos faz, se nos toca, tira-nos o ar. Vi o filme algum
tempo mais tarde, mas há tempo suficiente para não me lembrar com detalhe do
enredo, mas ao voltar à cena em que Cruise, o advogado exibicionista da marinha,
que defende dois marines acusados de
terem matado um colega, por lhe terem aplicado o “código vermelho”, punição
fora da cartilha militar cuja existência ninguém confirma, tem de enfrentar em
Tribunal o temível comandante Jack Nicholson. Poucos
esquecerão a deixa: “I want the truth!”, “ You can’t handle the truth!”
O
advogado vence o comandante, porque o enfurece e consegue arrancar-lhe a
confissão de que tinha ordenado o código vermelho, punição que poria termo à
vida do soldado. O comandante era o autor moral do crime. O filme obriga-nos a
questionar os conceitos de lealdade e de honra perante uma instituição e,
sobretudo, se essa lealdade se deverá manter perante um caso de homicídio,
mesmo que involuntário. O narcisismo do comandante, numa interpretação
brilhante de Nicholson, expõe a sua frieza e a sua aparente superioridade
moral. É esta, aliada à sua vaidade que o desequilibram, tornando-o irascível e
fazendo-o perder a sua racionalidade, acusando o advogado de ter o atrevimento
de lidar com questões que desconhece e que não compreende, convidando-o a pegar
numa arma e a defender a liberdade antes de questionar certos procedimentos,
afirmando que a morte do soldado pode ter salvado vidas.
Certo
é que a Europa vive um cenário de Guerra e, imediatamente, me questionei se
também nós, cidadãos comuns, seremos capazes de lidar com a verdade. Os russos
retiram-se de Kherson. Ao que parece, não lhes restaria outra alternativa. A
força militar russa não é o que gostariam de fazer parecer. Têm um exército
esfrangalhado, cheio de gente que não passou de carne para canhão. Eu gostaria
mesmo que fossem obrigados a retirarem-se da Crimeia também, porque esse
assalto, já em 2014, foi uma vergonha. Espero que fique claro para o mundo que,
no século XXI, não se aceitam comportamentos imperialistas e invasores, de
alargamento de fronteiras, independentemente do poderio militar que o país
possa ter. Serão os russos capazes de lidar com a verdade quando tudo isto
terminar? Saberão que muitos dos que morreram não passaram de peões num jogo de
Xadrez jogado pelos grandes que não hesitam em sacrificar inúmeras vidas para
salvaguarda da honra militar? Gostaria que fossem bafejados pela coragem de olhar
nos olhos do povo invadido e de sentir os crimes de guerra sucessivamente cometidos.
Gostaria que percebessem que não deve haver guerra sem lei e, sobretudo, que foi
tempo de desespero e de inutilidade.
Não
poderia escolher melhor altura para ler “Guerra e Paz”. Tanto ainda permanece semelhante:
os soldados, peças de xadrez dispostas e distribuídas com frieza, a tentarem sobreviver
em condições miseráveis, com fome e frio. Pilham os próprios camponeses russos antes
que cheguem os franceses. E os comandantes, esses, ocupam os palácios abandonados
dos seus compatriotas. Continuam a viver confortavelmente e a organizar serões,
enquanto desenham os próximos movimentos no tabuleiro da guerra, a partir do conforto
de casa, em busca de promoções. A eterna vaidade humana…
Uma
questão de honra seria evitar o sangue dos outros.
Nina M.
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