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sábado, 5 de novembro de 2022

Crónica de Maus Costumes 298

 

O Homem e a sua inexpugnável estupidez

            Vi, hoje, nas notícias, tal como muitos de vós, com repugnância e revolta, a vandalização premeditada do Museu do Prado e de um dos quadros de Goya, com a intenção de sensibilizar a sociedade para a questão do aquecimento global. A ação concertada repetiu-se por outros lados, com o mesmo objetivo.

            Por mais que as questões ambientais suscitem a minha preocupação e a minha simpatia, não deixei de sentir repúdio pelo ato de vandalismo e pelos seres que o perpetraram. O Prado é património dos espanhóis, mas também de toda a humanidade e querer chamar a atenção para as alterações climáticas, por meio de ações selvagens é de uma indignidade inqualificável! Temos o dever de proteger o Planeta e a Natureza, mas a arte é também uma expressão da natureza humana e não é meramente uma manifestação cultural, mas a epifania transcendente do Homem, que lhe permite tornar tangível o sublime. A arte, independentemente da forma escolhida para a sua concretização, é a suprema realização humana! Não compreendê-lo e, sobretudo, ofendê-la é um comportamento simiesco, que em nada abona em favor dos executantes. Portanto, meus caros, os que se atrevem a profanar o que de melhor o Homem é capaz de produzir não passam de uns símios, independentemente, das suas razões. Talvez o planeta agradecesse a sua não existência.

            Esta conduta faz-me recordar a conversa com o meu adolescente de quinze anos, que afirmava categoricamente que mais valia o Homem não ter evoluído, porque apesar do incremento intelectual, continuava estúpido. Eu concordo em parte, isto é, o Homem continua parvo. Quis saber o havia por detrás da sua declaração. Começa, então, por explicar que o Homem vai destruir-se a si mesmo, uma vez que vai destruir o planeta e, por consequência, a espécie. Acrescentou que os homens vivem para se explorarem mutuamente, com a ambição do dinheiro e que talvez os primitivos fossem mais felizes. Não havia ambições económicas desmedidas. Rebati o seu argumento, já que é a melhor forma de o fazer pensar e desenvolver um raciocínio. Lembrei-lhe que as gerações mais recentes, aquelas que já foram educadas para terem preocupações ambientais e desenvolverem comportamentos amigos da Natureza, talvez sejam as que comportam maior pegada ecológica. São os incapazes de andarem cem metros a pé, os que trocam de telemóvel a cada ano, os que não abdicam um pouco do seu conforto… Reforcei que não imaginava o retrocesso civilizacional, porque já ninguém está disposto a voltar ao tempo das cavernas. Se ficar sem as tecnologias, que são já uma quase extensão do seu corpo, é para elas um terror, que dizer do restante… Afirmei que a estupidez humana vivia ao lado da inteligência e que o necessário era que a última vencesse.

            Acabou a sua intervenção com um suspiro, afirmando que todos iríamos morrer, logo a vida é inútil. Olhei séria para ele e vi-lhe a angústia da existência, na puerilidade dos seus quinze anos. Respondi que enquanto isso não acontece, enquanto o fim não chega, a nossa missão é fazer com que nos cumpramos na vida, dar-lhe um sentido e um propósito. O que acabava de me dizer, a constatação do absurdo que também preenche os nossos dias era uma questão filosófica que tinha assolado os existencialistas do século passado, logo era um assunto muito importante       e que merecia ser por ele pensado. Aproveitei para lhe dizer que tinha de estar atento para descobrir o atribuía sentido à sua vida. Sei a razão da sua angústia: reconhecer a importância do estudo e de pouco gostar de estudar. A tremenda dificuldade que representa para ele contrariar a sua preguiça e abdicar dos seus prazeres. Não me ocorreu falar-lhe dos estoicos nem das virtudes de Aristóteles, talvez noutra altura se proporcione. Procura o teu talento e talvez descubras um dos sentidos que justifique a tua existência e atribui-lhe um propósito, porque todos temos algum sem que, muitas vezes, seja algo propriamente palpável. Uns concretizam-nos através da arte, outros pelo desporto, outros pela capacidade de pensar, outros pela sua extrema generosidade… As possibilidades são muitas, meu adorado filho, procura e descobre para que não te sintas perdido.

            Ouviu-me. Não respondeu. Não sei o que pensou. Sei que é demasiado cedo para tão grande descoberta. Espero que descubras a estupidez que em todos mora e a saibas contrariar pelo uso da razão.

 

Nina M.

 

 

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