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sábado, 29 de janeiro de 2022

Crónica de Maus Costumes 263

 

Maturidade

          Estou mais velha e genericamente gosto de mim assim. Sabê-lo traz serenidade ao espírito.

           Como é óbvio, não fiz tudo o que gostaria (ainda) e não alcancei tudo quanto almejava. Gosto da palavra almejar, porque significa desejar com alma e só vale a pena o nosso esforço, aquilo ou aqueles que nos levam a alma. Há coisas que faço que me levaram tempo a descobrir que gostava de as fazer, apesar do empenho e do tempo que me exigem. Porém, o que é o tempo ou o que mede se é bem ou mal passado? É tempo eterno o que fixa a poesia dos momentos, mesmo dos mais insignificantes…

Gosto do meu corpo estendido ao calor do sol, da sensação do calor a penetrar-me a pele. Talvez seja viciada em vitamina D… Gosto da água bem quente que me aquece no chuveiro, num dia frio de inverno. Gosto do cheiro a maresia pela manhã e da areia deserta ainda por pisar. De banhos de mar tépido… Do silêncio que a manhã ainda adormecida comporta. Do meu café matinal no mais absoluto silêncio. Do marulhar das águas do mar ou do rio e do chilrear dos pássaros que me acompanham durante uma corrida. Adoro a primavera e o verão! O meu relógio biológico é muito solar e, por isso, o inverno é doloroso, ainda que goste do calor da lareira… Gosto de lençóis lavados acabados de estrear e do tempo que me leva a ler uma poesia. Gosto de ler na cama sob o calor de um cobertor elétrico que me aquece. Gosto de um “favaios” e de uma caipirinha, de um bom tinto maduro ou verde branco, de uma “super bock” fresquinha numa tarde quente de verão, acompanhada de tremoços e de um bom espumante, se a ocasião o solicitar… Gosto de me perder pelas ruas de uma bela cidade e de lhe sentir o pulsar. Gosto de me sentar em frente aos homens-estátua da Ribeira e de sorrir à sua tenacidade e de parar junto aos pintores de aguarelas na rua das Flores e deixá-los perceber a minha admiração pelo seu trabalho meticuloso. Gosto de entrar numa livraria, onde cheira a livro novo e gosto de os tatear, de os abrir e de os afagar com todo o cuidado… Gosto de abraços sólidos e sentidos e dos beijos de quem me quer bem. Gosto de ver os raios solares espelhados na água. E gosto de tantas outras coisas… Neste exercício de agora, aprendo que talvez haja mais coisas de que gosto do que aquelas que me aborrecem…

           Aprendi tudo isto sobre mim com a idade. A juventude não deixa grande espaço para a reflexão, tal a urgência de viver… Não há frio impeditivo de sair, mas não há a clarividência para aproveitar estes pequenos nadas que nos enchem de satisfação momentânea… Agora, para me arrancar do conforto da casa em noite fria de inverno, é preciso que o programa me convença. Cada vez mais gosto das minhas pantufas e do meu recolhimento. De repente, as pessoas que conheço são suficientes e não faço questão de absorver mais gente em mim… Já fui mais sociável e mais leve. Estou mais difícil e impaciente e conversas feitas de algodão não me são suficientes. Um livro pode ser o interlocutor perfeito. Pessoas raras e especiais também. Estou mais seletiva, mais exigente e gosto assim.

         Vejo, no espelho, todas as marcas deixadas pelo tempo… Linhas que não existiam. A pele não é mais uma tela imaculada, mas é invólucro de maior substância e gosto assim.

 

Nina M.

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