Má-educação, intolerância e falha democrática
Há alguma gente
que conheço que não usa o facebook.
Sei que o Nuno Markl, por exemplo, abandonou a rede social, tendo explicado os
seus motivos. Eu resisti muito à moda, mas por fim lá me convenceram das suas
virtudes. Devagarinho fui aderindo e percebendo melhor o seu funcionamento, com
as suas virtudes e os seus defeitos.
Na verdade, a
rede, em si, nem é boa nem é má. O uso que dela fazemos é que o determina, mas
compreendo perfeitamente o Markl e as pessoas que não a querem usar. Não falo
dos mais jovens, porque esses gostam cada vez mais gostam do imediato da imagem
e preferem o Instagram. O facebook é a rede social dos mais
velhos, como os meus filhos fazem questão de dizer. Para mim, a sua grande
vantagem em relação às outras é permitir o texto. Hoje, são poucos os que leem
e os que escrevem e, no entanto, o discurso escrito é, à partida, mais pensado,
mais mastigado, havendo lugar para o tempo e afastando o instantâneo.
Talvez por isso, apesar das sugestões
dos pequenos, não queira saber do Insta,
diminutivo redutor com que designam essa rede. No entanto, há coisas que me
aborrecem e que me preocupam no facebook:
a questão da privacidade e dos dados. A verdade é que Orwell foi um visionário.
Parece que estamos todos num Big Brother,
espiados a todo o instante. Se cairmos na tentação de abrir uma janela que publicita
a venda de máscaras, irá aparecer no nosso mural mais vinte anúncios
semelhantes. Creio que o facebook saberá
mais dos meus interesses do que alguns elementos da minha família! Depois, o
que me irrita solenemente é Humberto Eco ter razão: as redes sociais apareceram
para dar voz aos estúpidos. De repente, toda a gente é especialista em tudo,
nos mais diferentes assuntos e com opinião avalizada sobre assuntos que
desconhecem. Nunca o acesso à informação foi tão fácil e, todavia, nunca me pareceu
tanto que a sociedade se estupidifica cada vez mais, por vontade própria, numa
alienação assustadora e confrangedora. As pessoas indignam-se mais com certos
comentários sobre o programa Big Brother
e com as atitudes dos seus concorrentes ou com certas opiniões sobre futebol do
que com a gestão do país e os seus problemas, passando ao lado de esquemas
gravíssimos de corrupção, de injustiça social e de delapidação da nossa
economia (já de si fraquinha)! Olho atónita e percebo entristecida que somos um
povo manso. Um povo que reclama diariamente dos sacrifícios que faz, mas que
não tem força moral para agir. Pior: quando veem outros a defender
acerrimamente os seus direitos ainda os criticam, porque reconhecem neles a
coragem e a ousadia que lhes falta. Assim, a petição dos professores
contratados que circula na rede para corrigir uma série de injustiças ainda não
perfez o número necessário de assinaturas! É absolutamente inacreditável!
Primeiro que os contratados não adiram em bloco e depois que não sejam apoiados
pelos professores do quadro, já que somos todos professores! Também nesta rede
se veicula mais facilmente o supérfluo e o voyeurismo pela vida alheia do que o
que verdadeiramente nos deveria interessar. Angustia-me a visão negativa da
humanidade, que sei há muito perdida, mas que gosto sempre de pensar que é
possível melhorar … O meu eterno ideal… Indigno-me com os comentários
maledicentes, acintosos, de enxovalho gratuito e sem qualquer respeito pelo
outro. As pessoas parecem lobos ferozes a atuar em alcateia para acabar com a
presa, pasme-se, apenas porque discordam da opinião de alguém e são incapazes
de contra-argumentar com lucidez, elegância e inteligência, partindo para um
ataque ignóbil à pessoa e não às razões travadas. A última situação diz
respeito a uma petição posta a circular por um professor de História que
contesta a existência de ruas e de praças com o nome de Salazar, dado
considerar-se que se presta uma homenagem ao fascismo e ao ditador.
Pessoalmente, discordo. Não por ser apreciadora do regime ou de Salazar, bem
pelo contrário, mas porque entendo que a História foi o que foi e que ninguém
apaga os anos do regime ou a existência de tal figura. Como tal, para mim, é
tão estúpido quanto derrubar a estátua do Padre António Vieira ou de Cristóvão
Colombo, num contexto diferente. Não nos é prejudicial as ruas terem o nome do
governante, pelo contrário, devemos lembrar-nos de como foi esse regime para
sabermos que não queremos lá voltar. Pois bem, se não se concorda, só há uma de
duas atitudes a tomar: ou não se comenta e não se assina a petição ou se
manifesta o desacordo em termos apropriados e também não se assina. Optei por
esta última opção. O que não deveria poder acontecer era partir para o insulto
fácil só porque não gostamos da ideia. É de uma falta de educação, de uma falta
de sensatez e de uma sem-vergonhice sem nome! Denuncia a democracia frágil e
imberbe. As pessoas não compreenderam ainda que num regime democrático o
desacordo é possível, a discussão de ideias e de argumentos é não só bem-vinda como
um ato de cidadania, desde que saiba o significado de respeito pela integridade
moral do outro. Democracia e liberdade não significam dizer tudo o que possa apetecer,
se essas vontades vêm envolvidas de torpeza, sem justificação válida. A democracia
não admite parênteses quando nos dá jeito! O colega foi apodado com uns mimos que
não me atrevo a reproduzir. Subitamente, quer-se-me parecer que não falta gente
a precisar de frequentar as aulas de Cidadania. Para agravar, tudo escrito num
Português que, definitivamente, não é nem a língua de Camões nem a minha! Fico
exasperada e mais me convenço que é mesmo necessário mudar alguma coisa no
Ensino, porque não é viável que se destrate o nosso maior património: a nossa
língua, veículo agregador, comunicacional, civilizacional e cultural!
A língua permite-nos o encontro connosco e com a alteridade,
porque é com ela que pensamos. Mais me espanta ainda que se aceite tão
placidamente todos os pontapés dados à ortografia, à sintaxe e à morfologia. Apesar disto, também não é justificação para
vexar os que os cometem e se sentirem necessidade de corrigir alguém, façam-no
em privado. Ditam as regras de cortesia. Será que seríamos sem língua?! Não creio.
Existiríamos, mas não seríamos.
Nina M.
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