Crónica de Maus Costumes 105
Amor nos Tempos de Cólera
(Que Gabriel García Márquez me
perdoe e que abre com esta frase deliciosa: Era
inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lembrava-lhe sempre o destino dos
amores contrariados.)
Acredito em absoluto que a solução para o mundo
horrendo em que vivemos só pode ser o amor. O amor deveria fazer parte do currículo
escolar. Ser injetado, macerado e trabalhado à exaustão, numa tentativa, que
esperaria não ser infrutífera, de combate ao cinismo. Só com a contaminação dos
mais pequenos pela bondade se pode contrariar uma série de coisas.
A educação, instrução e cultura são manifestamente
insuficientes. Seria expectável que durante o século XXI, em plena era de
avanço tecnológico, o ser humano conseguisse resolver o mais elementar problema
do mundo: a fome. A míngua de uns por oposição à opulência desgovernada e
vergonhosa de outros… O que aconteceu com o ser humano para não se deixar
dilacerar pelas imagens chocantes que chegam à velocidade da luz, até nós?!
Um exemplo bastante elucidativo: recebi um vídeo
escabroso, horrível, em que se pedia para ser repassado, no sentido de tentar
encontrar o carrasco malfazejo. Retratava um bebé, teria por volta de um ano,
sentado numa cadeira própria para fazer a sua refeição. Não chorava, não fazia
barulho. Absolutamente tranquilo. Subitamente, sem razão, a não ser a crueldade
pura e visceral, é agredido consecutivamente com bofetões e outras violências.
Naturalmente, a criança chorava copiosamente. Não o vi até ao final, por ter
ficado com um nó no estômago e náuseas. A maldade gratuita é capaz de me causar
sintomas físicos. Nessa altura, a minha famigerada condição humana e vil
esqueceu o amor e só me apetecia poder retaliar na exata medida das coisas. Eu
sei. O amor não é isso, mas há gente que não o entende e não o merece e, por
isso mesmo, nem gente é! Como se explica a violência gratuita?! Como se explica
o fenómeno da maldade, da crueldade e do cinismo que se compraz na dor alheia?
Sobre o amor, nos seus mais variados sentidos, do
mais lato ao mais restrito, já tenho pensado e é bom e recomenda-se em doses
mesmo absolutamente exageradas, por não haver contraindicações. Porém, a
maldade… Como explicá-la? Serão todos os que a praticam psicopatas ou
sociopatas a quem não pode ser imputada toda a responsabilidade, uma vez que são
fruto de erro biológico?!
O que dizer da experiência da artista sérvia, Marina
Abramovic, que se sujeitou a estar durante seis horas imóvel e exposta, numa
sala, onde a plateia poderia interagir com ela da forma como entendesse. Havia uma
uma mesa colocada na sala com vários objetos: tintas, rosas, lâminas e até uma
arma carregada. As pessoas, inicialmente, apenas observavam de perto, mas,
depois, rapidamente perderam o controlo e a artista foi pintada, cortada,
despida, molestada, até a performance ter sido encerrada pelos seguranças. Como
explicar esta reação?
Efeito matilha? Banalização do mal e
desresponsabilização pela sua prática em grupo? Qual a necessidade do ser
humano em causar dor ao outro propositadamente, de forma gratuita, sem sequer
retirar qualquer benefício?!
Não entendo e só me encho de perplexidade. Por que
razão ninguém lhe falou? Ou agarrou a mão? Ou lhe depositou um beijo com
carinho?
Há estudos científicos que apontam para o gene da
bondade, certamente também haverá o do sadismo e que, ao que parece, se
dissemina bem mais facilmente, para desgraça da humanidade.
Na realidade, designar de humanidade a espécie que
de humano não tem nada é um belo paradoxo!
Nina M.
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