Semana atribulada
O Papa
Francisco foi, talvez, o Sumo Pontífice que reuniu maior aprovação, à direita e
à esquerda, dentro e fora do mundo católico. A sua simplicidade autêntica, a sua
proximidade com o ser comum, os vários testemunhos por ele deixados em relação
às pessoas mais frágeis, tantas vezes, vítimas de discriminação: refugiados, migrantes,
vítimas de guerra, pobres, prisioneiros, homossexuais, mulheres e crianças… O
olhar do Papa era, em primeira instância, para os mais desvalidos e os
segregados. Um Papa atento às desigualdades sociais e sem medo de assumir os
pecados da Igreja que dirige. Preferia ver uma Igreja exposta às suas
fragilidades a ver uma Igreja hipócrita, dizia. O Papa Francisco granjeou a
minha profunda simpatia e bem-querença, desde o início, assim que proclamou que
a Igreja necessitava de regressar aos primórdios do Cristianismo e à sua
simplicidade. Pareceu-me muito acertado. Continuo a pensar o mesmo, porque vejo
que a Igreja anda demasiadas vezes afastada da ideia de Deus.
O pontificado
de Francisco fica marcado pela tentativa de modernização e de progresso. Assume
a importância das mulheres para a Igreja, concedendo-lhes o direito de voto, no
Sínodo, combate a corrupção dentro do Vaticano, olha de frente para o abuso
sexual de menores e responsabiliza quem deve, afastando-os. Enquanto tenta
varrer a sujeira, acolhe todos aqueles que se deixam sensibilizar pela sua palavra
e se lho confessavam, respondia que não falassem dele, mas de Jesus. As palavras
eram de Jesus e não dele. Ao vê-lo interagir com as pessoas, adultos e
crianças, sentimos que o Papa Francisco deixa cair o modo imperial, o modo
monarca a que a Igreja tinha habituado os seus fiéis. Porém, quando Jesus entra
na cidade Santa, para celebrar os Ramos, vai montado num jerico, não num cavalo
puro-sangue e veste uma túnica simples e calça sandálias e a única coroa que lhe
deram foi de espinhos. Também o Papa abdicou de muitas mordomias, desde logo a
habitação. Escolheu a residência mais modesta e não o palácio, a cruz que trazia
ao pescoço, escolheu a mais simples. Com este despojamento, enfrenta os
opositores internos e, num Sínodo, abre a discussão entre conservadores e
progressistas com temas fraturantes para a Igreja: a ordenação de mulheres, a
aceitação da homossexualidade, por exemplo. Foram dados pequenos passos.
Francisco não terá conseguido a revolução que pretendia, mas abriu caminho e
foi o primeiro a partir pedra. Por isso o acusam, dentro da própria instituição,
de não ser tão democrático quanto parece, pois acaba por decidir à sua maneira,
apesar de promover o diálogo e de dizer com o humor que lhe é característico
que se reuniam e que muitos deles não se podiam ver uns aos outros, mas era
preciso que se reunissem pelo amor a Cristo.
Ele teria os
seus defeitos porque, apesar de tudo, é homem e se todo o homem é falho, Francisco
não será exceção. Pode ser, no entanto, que seja menos falho que muitos. De
repente, lembro-me de duas situações em que se vê um Francisco irritado, mas
quem nunca teve acessos de pequenas iras? Uma ocasião, uma crente segura-lhe a
mão com mais firmeza, impedindo-o de continuar caminho e ele castiga-a, tal
como se faz a uma criança pouco respeitadora, com umas palmadas na mão. De
outra vez, um homem com ânsia de lhe poder tocar, fá-lo desequilibrar, o que
lhe custou uma reprimenda. Internamente, nas suas reuniões, seria assertivo o bastante,
quando necessário. No entanto, a mensagem que ficará é a de que “a Igreja é
para todos, todos todos”. Mesmo assim, basta ler o que surge nas redes sociais
para perceber que nem mesmo o Papa se livra de críticas ferozes, de gente em
que percebemos um anticlericalismo, nalguns casos mais esclarecido e noutros,
primário. Até certo ponto nem será de estranhar, mas que dizer dos que se
afirmam cristãos, mas proferem ou proferiram palavras injuriosas contra aquele
que tenta seguir Jesus e repete a palavra?! Gente que se diz cristã, mas não acolhe
a mensagem de Jesus ou, ainda, gente que tenta instrumentalizar a religião e a
fé alheia. Vários líderes mundiais são disso exemplo, mas quando nos
questionamos sobre a hipocrisia dos que em tempos insultaram e, agora, na morte,
homenageiam, só nos podemos lembrar do “Todos, todos, todos” do próprio Papa, engolir
em seco e pedir que saiam das exéquias mais ajuizados.
Para rematar
a semana e coincidindo com o luto, houve abril. Um abril estragado por grupos
de extrema-direita que se aproveitam das fragilidades do regime democrático
para lançar o caos e o fazer implodir. A generalidade dos portugueses recrimina
estas ações. Sobre isto não tenho a mínima dúvida. Não aprecio, porém, que o
partido que recentemente conquistou cinquenta lugares na Assembleia não seja
capaz de uma mensagem irrefutável de repúdio ao sucedido. Esses senhores não almejam
ser conotados com esses marginais, apelidam-se um partido contra o sistema, mas
um partido democrático. Ora, se assim fosse, não só repudiariam tais ações como
não quereriam ver essa gente associada ao seu partido político. Eu gostaria
muito que o seu eleitorado fosse capaz de refletir sobre isso, porque ainda
acredito que a maioria das pessoas que o constitui não são racistas nem
xenófobas e nem antidemocráticas. São pessoas, essencialmente, movidas pelo
medo e pela frustração de não verem os seus problemas quotidianos resolvidos, o
que lhes gera uma revolta que procura consolo e o encontra nas palavras que
querem ouvir. Genericamente, as pessoas não percebem nada de economia nem de
direito. Não querem saber se para incentivar a produção e gerar receita é
melhor cortar no IRC ou aumentar os impostos indiretos. Querem é conseguir
uma casa a preço decente e que os salários permitam pagar, querem ir ao
supermercado sem sentir que precisam mesmo de fazer muitas contas para não
ultrapassar o orçamento e não se querem sentir vítimas de injustiça. Querem os
seus microproblemas resolvidos, pois são eles ou a sua ausência que lhes ditam
uma vida de bem-estar ou de dificuldades. Na falta disto, não havendo uma
política de proximidade, tal como fazia o Papa Francisco, não havendo uma
política de escuta ativa, porque as pessoas precisam de ser ouvidas e
compreendidas, estarão sempre mais vulneráveis aos falsos profetas, aos falsos
pastorinhos e às sua pantominas. Não adianta comprovar, numa base de argumentação
sólida e factual, o discurso falacioso, uma vez que as pessoas precisam de
esperança para sobreviver às agruras da vida e de respaldo para a suas
frustrações e é nesses discursos inflamados, mentirosos até ao tutano,
irresponsáveis e irracionais, mas que prometem um eldorado justiceiro, que
encontram o bálsamo que lhes acalma os sentidos e que julgam encontrar o
remédio para as suas dores.
Melhores
dias virão… Não há mal que nunca acabe nem bem que sempre dure, diz o povo e
com razão.
Nina M.
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