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sábado, 14 de dezembro de 2024

Crónica de Maus Costumes 399

 

Juízos e injustiças

               É muito fácil fazer-se juízos de valor amiúde sobre os outros e, na maioria dos casos, talvez sejam injustos. Raramente se pensa na pessoa, apenas se olha ao comportamento que analisamos e condenamos à luz dos nossos princípios e valores, à luz do que somos e como atuamos.

            Não gosto de pactuar com julgamentos mesquinhos, até porque não sou juiz, mas quantas vezes damos por nós a tecer reparos a terceiros. Bem… Se a postura e as opções alheias não interferem em nada com a minha vida, não tenho o direito de tecer considerações, precisamente, por ser a vida de outrem e não a minha.

            Já assisti, algumas vezes, a comportamentos que se alastram a pequenos grupos de boicote ou de maledicência em relação a A ou B, às vezes, por minudências, por falta de empatia, por entendermos que nós fazemos tudo bem feito e só os outros falham.  

Tenho dificuldade em lidar com gente que não sabe desvalorizar a falha do outro, percebendo que não é propositada nem de ronha e que lhe exige aquilo que não exige de si mesmo. Obviamente, falo de pequenas falhas, facilmente resolúveis, mas encaradas por alguns como crime lesa-pátria. Muitas vezes, um pequeno lembrete seria o suficiente, mas o ser humano gosta de complicar tudo e aborrecer-se por coisas que não deveriam retirar a tranquilidade a ninguém. Aprender a relativizar a verdadeira importância das coisas, priorizando o que deve ser priorizado pede maturidade. Antes de tudo, deve-se saber que o outro é diferente de si e que deve ser respeitado nessa diferença; depois, deve-se compreender que a nossa visão de mundo não coincide com a visão alheia. Há quem seja mais previdente e use de cautela, mas também há os mais impulsivos e impetuosos. Nem sempre um e outro acertam e está tudo bem. Há quem se dedique 100% ao trabalho e há quem se dedique apenas 50%. O mercado de trabalho prefere os primeiros, mas a família talvez prefira os segundos. Em última instância, que momentos guardaremos connosco antes de fecharmos definitivamente os olhos? Creio serem as lembranças dos momentos partilhados com os que amamos, com os que gostamos e não as memórias do quão fomos bons na resolução de determinado problema, na atividade profissional. Na verdade, isso perde todo o significado diante de uma turbulência maior. Esta análise não significa uma apologia à incompetência e à falta de brio. Pelo contrário, estou sempre a pedi-lo (o brio) aos filhos, exijo-o de mim quanto baste. No entanto, nunca esqueci as palavras do meu obstetra quando me obrigou a parar aos sete meses, na gravidez da Matilde, atirando-me para a cama um mês, na perspetiva de a aguentar até aos oito meses de gestação, o que aconteceu: “no caso de uma mãe perder o filho, ninguém lho devolverá, mesmo que seja a melhor profissional do mundo”. Estava certíssimo o meu médico e a Matilde, com a mãe sem se levantar da cama, lá se aguentou até aos oito meses e dispensou a incubadora. De modo que se alguém me diz que não se pode querer exigir aos outros o máximo, apenas que cumpra o mínimo exigível, se esse máximo (normalmente não remunerado) lhe retira tempo que lhe pertence, nem que seja para não fazer nada, está no seu direito recusar, porque se há algo que o homem nunca recupera é o tempo perdido.

A quantidade é inimiga da qualidade e parece-me que falta ao homem aprender a viver em função da qualidade, descartando o supérfluo e o ruído. O mundo moderno é avassalador, louco e consumidor de almas. O excesso tomou conta do ser e distinguir o essencial, no meio de tanta poluição, nem sempre é fácil. O mercado pede que sejamos ávidos. Ávidos no trabalho, ambiciosos nos projetos, ávidos na preparação do futuro dos filhos. Ávidos e rápidos quando tudo o que necessitamos é da desaceleração e da calma. Tempo para ser, para olhar e reparar, para não nos deixarmos de encantar com a luz matinal fulva ao nascer do sol de outono ou com a flor que desponta isolada, no canteiro, nem de nos entristecermos com o homem que pede esmola numa rua… Custa-me sempre negar a esmola a alguém e, no entanto, também o faço, por desconfiança, porque não se dá dinheiro para a droga nem para o álcool… Embrenho-me, tantas vezes, no que não se deve fazer, no juízo fácil e prematuro… Mea culpa

Em que parte do nosso trajeto deixámos de ver o outro?

 

Nina M.

 

 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Mudez

Escrever versos é recordar
Outro ouvir-te. Outro falar-te.
Devolver ao coração o que lhe pertence
Ele que anda, assim, tão aflito e estreito
Como a viela onde não cabe a viatura...
Não sei o que fazer com as vozes
Que me esventram a alma.
Ora dóceis ora amargas ora angústias
De quem tem a vida entre parênteses
A pairar sobre o arame do equilibrista.
O mínimo sobressalto pode ser a queda.

[Já te disse que recordar é voltar ao coração?
Esse órgão sangrento e asqueroso
que fabrica as emoções.
Um aborrecimento quando ele se faz estreito para o caos que nos governa, sabes?]


Escrevo como quem te fala baixinho
O único modo de te saber falar...
Eu, que julgava não perder vontades,
Aqui a apetecer-me o silêncio.
Talvez os versos sejam o modo possível
A minha forma de expressão mais pura
Como aquele amor que vem para resgatar
Almas desesperançadas e difíceis.
Os versos são palavras económicas
 Silenciosas como o gato pachorrento
Que se nos deita aos pés a fazer-nos
Companhia.
Os versos são o meu falar-te e o meu ouvir-te
Ainda que a mudez me tome o coração.

sábado, 7 de dezembro de 2024

Crónica de Maus Costumes 398

 

Escritas e leituras

               Se me tivessem dito, quando inaugurei esta rubrica semanal, em setembro de  2016, que a iria sustentar por muito tempo (está a duas semanas de fazer um número redondo, novamente), talvez, não acreditasse e, no entanto, cá está ela, não sei por quanto tempo mais…

            Os meus filhos eram ainda pequenitos e também eles foram acompanhando a vida da rubrica. À medida que vão crescendo, são eles mesmos que me vão lembrando, se porventura lhes parecer que há algo a modificar a rotina de sábado à noite, que tenho de escrever a crónica. Certo é que estou vinculada ao texto semanal que já faz parte da minha rotina e também da rotina de alguns, pressuponho. Sei que há gente que toma o pequeno-almoço acompanhado da crónica, outros são leitores de horas tardias, assim que ela aparece disponível no mural, outros serão leitores esporádicos, outros mais ou menos regulares e outros, possivelmente, ao verem tanto texto, pulam, porque não há paciência para tal. Farão bem …

            Interrogo-me, às vezes, o que me levará ao cumprimento inequívoco da rubrica sem a ela estar vinculada por qualquer contrato ou benefício monetário. Há a questão do compromisso, obviamente. Se me dizem que me leem ao domingo de manhã, enquanto tomam o pequeno-almoço, tendo-se já tornado numa espécie de ritual, de certa forma responsabilizam-me, porque se cria uma espécie de compromisso tácito entre quem escreve e o leitor. Portanto, a recompensa do meu trabalho (que é o reconhecimento que um ou outro me vai fazendo chegar diretamente ou por interposta pessoa) é também o veneno que alimenta a engrenagem e que faz com que cumpra semanalmente o afazer, com maior ou menor vontade, mas sempre com gosto.

            Esta relação entre mim e quem lê cria vínculo e este, a obrigatoriedade de respeitar quem reserva uma parte do seu tempo para ler meia-dúzia de linhas mal-amanhadas. Ora, não posso deixar de pensar que os escritores a sério ou outras figuras públicas estão sujeitos a uma certa pressão, dado o compromisso com o público. Dou por mim a interrogar-me como o Luís Osório desenterra material para tanto postal do dia. Não é ter apenas assunto, porque a sua rubrica segue uma espécie de linha editorial, ou seja, nalguns casos dá-nos a conhecer anónimos, que pela sua história de vida, o Luís decide destacar ou figuras conhecidas do grande público e que o Luís decide agraciar, porque a maioria das rúbricas mostram o lado bom das pessoas. Há, nos postais do Luís Osório, algo de que gosto: a capacidade de mostrar heróis como nós, isto é, de destacar as virtudes e, por vezes, também defeitos comuns a tantos seres humanos, de mostrar que antes de se vencer, tantas vezes se falha e que, muitas vezes, os verdadeiros heróis são os desconhecidos que nos vai apresentando, nas histórias que nos vai narrando. Mostra a vida como é, feita de muitas dificuldades e de perseverança para as conseguir ultrapassar. Um dia destes, pergunto-lhe onde arranja tanta matéria para escrever, porque o Luís Osório tem a humildade suficiente e o respeito necessário pelo seu público para com ele interagir.

Consigo imaginar a preocupação que será ficar sem ideias para mais um romance ou medo da repetição, que deve existir… Só não vale vender a alma em prol de um público, isto é, deixar de fazer as coisas com verdade para semear fãs.

            De mim, bem… Esperai a cronicazita semanal enquanto houver paciência, vontade e imaginação para a poder apresentar, nem que seja para não dizer grande coisa, como é o caso da de hoje, mas também… Nem sempre se acerta.

 

Nina M.