Engajamento por impossibilidade de indiferença
Às vezes é preferível não ouvir
notícias. Muitas vezes não ouço. Ao dizer isto, vem-me à memória uma colega com
quem trabalhei e que já não está entre nós, que me dizia que já não ouvia
notícias para não deprimir. Não lhe dizia nada, mas achava um absurdo e pensava
para comigo que dessa forma andava alienada do mundo. Eu ainda era nova. Teria
33 ou 34 anos. A Deolinda, mulher muito bonita e elegante e que não dizia a sua
idade a ninguém, já deveria andar pelos cinquenta e pico…
Verifico
que nesta fase, mais nova do que ela seria na altura, começo a ter um pouco o
mesmo comportamento. Talvez a idade nos traga coisas comuns a todos. Eu não
deprimo, mas fico irritada e não é bom, porque me eleva os níveis de cortisol e
dá-me cabo da serenidade.
Os
tempos atuais são pródigos em absurdos. Durante a semana, ficamos a saber das
residências universitárias em Lisboa para estudantes deslocados, ideia que
seria magnífica se não fossem os preços praticados. Pedir entre seiscentos e
oitocentos euros mensais aos estudantes, leva-me a questionar se o autarca
Carlos Moedas reside no mesmo país que eu ou se habita Marte! Já agora, os
professores também precisam de residências para poderem lecionar nessa cidade,
mas se os preços praticados forem esses, nem eles as conseguem habitar, a menos
que queiram pagar para trabalhar. A minha alma pasma diante estes dislates e
fico a pensar se será má-fé e cinismo dos nossos governantes ou apenas
estupidez entranhada e incurável! Vamos lá ver se nos entendemos, a
generalidade dos portugueses não podem dispensar seiscentos euros mensais só
para a habitação dos filhos! Isso é o que um casal com salários algo acima da
média poderá dispensar mensalmente para ter o filho deslocado a estudar fora,
mas já com alimentação, transporte e outras necessidades incluídas!
Depois,
lá ouço a notícia do novo pacote de ajudas… Os trinta euros mensais às famílias
mais carenciadas. Só me surge a imagem do bodo aos pobres, a esmolinha que se
atira para que os desvalidos se lembrem, nas próximas eleições, de quem lha
ofertou. Os partidos precisam de pobres e da sua gratidão, para que esta se
converta numa cruz num boletim, chegado o tempo. Esta política assistencialista
e de mendicância dá-me ganas. É o meio mais fácil e mais descomprometido que
existe de valer à população. A ajudinha é temporária, durante uns meses. Assim
como surge, assim é retirada. Vai-se colocando pensos rápidos nas feridas para
estancar o sangue, sem resolver a infeção. Não digo que seja completamente má,
mas afirmo que será inócua se não for acompanhada de medidas que atalhem o
problema da perda do poder de compra na origem. Os portugueses em geral
precisam de melhores salários. Ordenados que compensem a inflação e não de um
subsidiozinho que conforta, mas nada resolve. O Governo Português, em vez de
ensinar a pescar, distribui, de quando em vez, um peixe e apenas a alguns. De
seguida, vem a redução do IVA para zero nalguns bens. Esta seria uma excelente
notícia se o homem em geral e o português em particular, não fosse um canalha
avarento sempre lesto a lucrar com a necessidade alheia. É um comportamento
deplorável e que me enoja. Também posso apostar, quase sem risco de perder, em
como se o Governo não acompanhar esta medida com a obrigatoriedade de os
comerciantes baixarem o preço dos produtos isentos de IVA, ela será
absolutamente inócua, tal como aconteceu na vizinha Espanha, feita de povo tão
bárbaro quanto o nosso. Neste caso, a responsabilidade não é só de quem
governa, mas da usura e da ganância que não se redime e que se explica com a
escalada absurda de preços, dizem. Sabemos que não passa de falácia, porque o
preço que aumenta exponencialmente em questão de dias, em produtos que estão
armazenados, não se prende com os custos de produção, mas da ganância de quem
os vende. Portanto, espero que os vendedores não se lembrem de embolsarem eles
o dinheiro do IVA que deixam de pagar ao Estado, mantendo os preços como estão.
Estes lembram-me o Sapateiro do Gil Vicente, condenado ao inferno, por ter
roubado bem o povo, durante trinta anos, com o seu mister.
Para
terminar a insanidade, deparo-me com um artigo do jornal “Negócios”, em que o
articulista, cujo nome já não lembro, afirmava que em Portugal havia muitos
empresários como o comendador Nabeiro. A sério, pensei?! Onde andam eles? A
argumentação usada era a criação de riqueza e de postos de trabalho,
enaltecendo o empreendedorismo, o risco corrido e todas as dificuldades com que
se debatem, afirmando que havia, em Portugal, uma malquerença em relação ao
lucro. A minha alma voltou a pasmar. Desde logo, o artigo acaba por ser algo
insultuoso para com a memória do senhor Rui Nabeiro, homem de rara
excecionalidade; depois, não é de todo verdadeiro. É verdade que o sucesso de
alguns sempre gera invejas. Também é verdade que as empresas se debatem com
cargas fiscais tenebrosas e que dar emprego a pessoas é uma grande
responsabilidade social. É verdade que haverá muitos empresários conscientes e
que valorizam os seus funcionários. Não é verdade, porém, que sejam a maioria e
muito menos podem ser comparados ao senhor Nabeiro e ao património particular
que ele conseguiu construir com um sentido de responsabilidade social inédito.
Nem vale a pena dar exemplos, mas os salários na Delta são acima da média, o
patronato oferece seguro de saúde aos funcionários, creche para os filhos,
entre outros mimos de que o senhor Rui, homem bom, era capaz. Esta mentalidade
em tudo difere da que tenta obter lucro com baixos salários. Portanto, a
malquerença não é com o lucro genericamente, mas apenas com aquele que é
conseguido com a exploração do trabalhador. Não há empresa sem trabalhadores
nem empregos sem empresários, então, a relação laboral deveria ser pautada pela
valorização, pelo reconhecimento e respeito mútuos. Pelo que observo, neste
país, há mais patrões do que empresários; mais chefes tiranos do que líderes de
equipa e mais exploradores do que homens justos, que cedem à ganância, à usura
e à ostentação. Coisa feia! Ostenta aquele que é tão pobre, tão pobre, que só
tem bens materiais para mostrar. O senhor Rui Nabeiro era o inverso de tudo
isto e, por isso, uma gota de água purificada num oceano de lixo. O país
precisa imensamente de empresários. Precisa deles como o pão de cada dia, mas
daqueles que têm consciência social e ética, dos que sabem que uma empresa se
constrói com funcionários e que gente feliz no trabalho labora melhor, produz
mais e fica reconhecida, vinculada à entidade empregadora. Quem não compreender
isto, não é empresário. Apenas patrão.
Assim,
Deolinda, creio que tinhas razão. As notícias deprimem. Beijo para ti, onde quer
que estejas. Gostava de ti, Deolinda, e do teu sorriso espontâneo…
Nina
M.
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