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sábado, 25 de março de 2023

Crónica de Maus Costumes 318

 

Engajamento por impossibilidade de indiferença

            Às vezes é preferível não ouvir notícias. Muitas vezes não ouço. Ao dizer isto, vem-me à memória uma colega com quem trabalhei e que já não está entre nós, que me dizia que já não ouvia notícias para não deprimir. Não lhe dizia nada, mas achava um absurdo e pensava para comigo que dessa forma andava alienada do mundo. Eu ainda era nova. Teria 33 ou 34 anos. A Deolinda, mulher muito bonita e elegante e que não dizia a sua idade a ninguém, já deveria andar pelos cinquenta e pico…

Verifico que nesta fase, mais nova do que ela seria na altura, começo a ter um pouco o mesmo comportamento. Talvez a idade nos traga coisas comuns a todos. Eu não deprimo, mas fico irritada e não é bom, porque me eleva os níveis de cortisol e dá-me cabo da serenidade.

Os tempos atuais são pródigos em absurdos. Durante a semana, ficamos a saber das residências universitárias em Lisboa para estudantes deslocados, ideia que seria magnífica se não fossem os preços praticados. Pedir entre seiscentos e oitocentos euros mensais aos estudantes, leva-me a questionar se o autarca Carlos Moedas reside no mesmo país que eu ou se habita Marte! Já agora, os professores também precisam de residências para poderem lecionar nessa cidade, mas se os preços praticados forem esses, nem eles as conseguem habitar, a menos que queiram pagar para trabalhar. A minha alma pasma diante estes dislates e fico a pensar se será má-fé e cinismo dos nossos governantes ou apenas estupidez entranhada e incurável! Vamos lá ver se nos entendemos, a generalidade dos portugueses não podem dispensar seiscentos euros mensais só para a habitação dos filhos! Isso é o que um casal com salários algo acima da média poderá dispensar mensalmente para ter o filho deslocado a estudar fora, mas já com alimentação, transporte e outras necessidades incluídas!

Depois, lá ouço a notícia do novo pacote de ajudas… Os trinta euros mensais às famílias mais carenciadas. Só me surge a imagem do bodo aos pobres, a esmolinha que se atira para que os desvalidos se lembrem, nas próximas eleições, de quem lha ofertou. Os partidos precisam de pobres e da sua gratidão, para que esta se converta numa cruz num boletim, chegado o tempo. Esta política assistencialista e de mendicância dá-me ganas. É o meio mais fácil e mais descomprometido que existe de valer à população. A ajudinha é temporária, durante uns meses. Assim como surge, assim é retirada. Vai-se colocando pensos rápidos nas feridas para estancar o sangue, sem resolver a infeção. Não digo que seja completamente má, mas afirmo que será inócua se não for acompanhada de medidas que atalhem o problema da perda do poder de compra na origem. Os portugueses em geral precisam de melhores salários. Ordenados que compensem a inflação e não de um subsidiozinho que conforta, mas nada resolve. O Governo Português, em vez de ensinar a pescar, distribui, de quando em vez, um peixe e apenas a alguns. De seguida, vem a redução do IVA para zero nalguns bens. Esta seria uma excelente notícia se o homem em geral e o português em particular, não fosse um canalha avarento sempre lesto a lucrar com a necessidade alheia. É um comportamento deplorável e que me enoja. Também posso apostar, quase sem risco de perder, em como se o Governo não acompanhar esta medida com a obrigatoriedade de os comerciantes baixarem o preço dos produtos isentos de IVA, ela será absolutamente inócua, tal como aconteceu na vizinha Espanha, feita de povo tão bárbaro quanto o nosso. Neste caso, a responsabilidade não é só de quem governa, mas da usura e da ganância que não se redime e que se explica com a escalada absurda de preços, dizem. Sabemos que não passa de falácia, porque o preço que aumenta exponencialmente em questão de dias, em produtos que estão armazenados, não se prende com os custos de produção, mas da ganância de quem os vende. Portanto, espero que os vendedores não se lembrem de embolsarem eles o dinheiro do IVA que deixam de pagar ao Estado, mantendo os preços como estão. Estes lembram-me o Sapateiro do Gil Vicente, condenado ao inferno, por ter roubado bem o povo, durante trinta anos, com o seu mister.

Para terminar a insanidade, deparo-me com um artigo do jornal “Negócios”, em que o articulista, cujo nome já não lembro, afirmava que em Portugal havia muitos empresários como o comendador Nabeiro. A sério, pensei?! Onde andam eles? A argumentação usada era a criação de riqueza e de postos de trabalho, enaltecendo o empreendedorismo, o risco corrido e todas as dificuldades com que se debatem, afirmando que havia, em Portugal, uma malquerença em relação ao lucro. A minha alma voltou a pasmar. Desde logo, o artigo acaba por ser algo insultuoso para com a memória do senhor Rui Nabeiro, homem de rara excecionalidade; depois, não é de todo verdadeiro. É verdade que o sucesso de alguns sempre gera invejas. Também é verdade que as empresas se debatem com cargas fiscais tenebrosas e que dar emprego a pessoas é uma grande responsabilidade social. É verdade que haverá muitos empresários conscientes e que valorizam os seus funcionários. Não é verdade, porém, que sejam a maioria e muito menos podem ser comparados ao senhor Nabeiro e ao património particular que ele conseguiu construir com um sentido de responsabilidade social inédito. Nem vale a pena dar exemplos, mas os salários na Delta são acima da média, o patronato oferece seguro de saúde aos funcionários, creche para os filhos, entre outros mimos de que o senhor Rui, homem bom, era capaz. Esta mentalidade em tudo difere da que tenta obter lucro com baixos salários. Portanto, a malquerença não é com o lucro genericamente, mas apenas com aquele que é conseguido com a exploração do trabalhador. Não há empresa sem trabalhadores nem empregos sem empresários, então, a relação laboral deveria ser pautada pela valorização, pelo reconhecimento e respeito mútuos. Pelo que observo, neste país, há mais patrões do que empresários; mais chefes tiranos do que líderes de equipa e mais exploradores do que homens justos, que cedem à ganância, à usura e à ostentação. Coisa feia! Ostenta aquele que é tão pobre, tão pobre, que só tem bens materiais para mostrar. O senhor Rui Nabeiro era o inverso de tudo isto e, por isso, uma gota de água purificada num oceano de lixo. O país precisa imensamente de empresários. Precisa deles como o pão de cada dia, mas daqueles que têm consciência social e ética, dos que sabem que uma empresa se constrói com funcionários e que gente feliz no trabalho labora melhor, produz mais e fica reconhecida, vinculada à entidade empregadora. Quem não compreender isto, não é empresário. Apenas patrão.

Assim, Deolinda, creio que tinhas razão. As notícias deprimem. Beijo para ti, onde quer que estejas. Gostava de ti, Deolinda, e do teu sorriso espontâneo…

 

Nina M.

 

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