Serenidade crónica
Ao que parece, segundo estudos
manhosos, pessoas que colocam o despertador para determinada hora e ficam na
cama mais um pedaço por incapacidade para se levantarem, são aquelas que nem
planificam o futuro nem são organizadas. Ora… Sou exatamente eu! Faço isso
tudo. Os cinco minutos mais na cama nunca são só cinco, não sei o que o diabo
do tempo faz, principalmente em dias de trabalho, mas quando de repente olho
para o relógio novamente, já se passaram mais quinze ou vinte minutos e, então,
nessa altura, sem apelo nem agravo é forçoso sair da cama. Sempre sob protesto
e a rezingar surdamente.
Benzo-me
e agradeço por não integrar nenhuma corporação militar, porque se me acordassem
às 06:00 da manhã com uma corneta zombeteira e estridente, tenho para mim que a
vontade de partir o instrumento na cabeça de alguém seria muita…
Fiquei a pensar nisso… Não sou,
definitivamente, de fazer planos para o futuro. Não há plano A, B nem C. Há pés
assentes no chão em questões financeiras, tal como os meus pais me ensinaram.
Quem ganha dez só deve gastar oito e guardar os dois que sobram, porque é
preciso ter sempre algum dinheiro poupado. Cada um deve coser-se com as linhas
que tem. Depois, como sou uma pequena burguesa despojada, que apenas gosta que
o seu lar tenha as comodidades necessárias e uma ou outra excentricidade que
aprecia, mas que se mantém indiferente a tantas outras coisas, a gestão não é
muito difícil.
Porém,
perder tempo a imaginar o que será o futuro ou a fazer previsões é uma
imbecilidade. A vida nunca é como imaginamos ou desejamos, mas antes o que tem
de ser. Obviamente, há uma margem para escolhas nossas, no entanto, estas são
sempre sujeitas a certas circunstâncias, pelo que as decisões pensadas e as que
efetivamente se tomam em dado momento são diferentes. Planificar em demasia
significa não deixar margem para as surpresas da vida, mas são estas que lhe
acrescentam o tempero às rotinas. Toda a vida que é muito planificada e
certinha, com horários rígidos e uma disciplina absoluta pode ser muito
organizada, mas é triste e enfadonha! Bem chega a rotina da qual não podemos
fugir… Assim, ao fim de semana, pelo que há para fazer até deveria levantar-me
relativamente cedo, mas acontece que me apetece recuperar o sono perdido
durante a semana e com o frio do inverno estou muito bem na cama, porque gosto
de estender a manhã. O trabalho não fugirá e, quando me levantar, continuará à
minha espera e lá acabará por se fazer a seu tempo, mas sem correria nem
ansiedade. Para cumprir horários à risca, basta o trabalho! Creio que pessoas
assim padecerão menos do coração, que não sofrerá de ansiedade. Gente muito
aflita é um sufoco! São controladoras, tendem a pensar que comandam tudo e
todos e quando a vida prega uma das suas peças e se veem numa situação que não
conseguem controlar, ensandecem! Ensandecem-se a eles e os outros! Um martírio!
Assemelham-se a baratas tontas que não sabem reagir a um imprevisto… De maneira
que costumo dizer que sofrer por antecipação é parvoíce. Se se provar não haver
motivo, sofreu-se desnecessariamente e se motivo houver, então, sofreu-se a
dobrar… Também sei que nada disto se escolhe. Vem na carga genética que me
calhou em sorte. Logicamente, há o sentido de responsabilidade que obriga ao
cumprimento das tarefas, mas felizmente a ansiedade passou um pouco ao lado da
minha porta.
A
minha carga genética pouco ansiosa passou para o meu adolescente, mas faz-lhe
falta o sentido de responsabilidade. Bem que ele me diz que é feliz. Já a mais
nova herdou o gene da aflição, mas também da responsabilidade. Um tem sempre
tempo. A outra está sempre com pressa. Um não se enerva com nada; a outra tem
dores de barriga durante os testes. Nenhum gosta de se levantar cedo e ele
põe-se a pé com menos dificuldade do que ela. Se puderem, dormem ou estão na
cama até ao meio-dia. Nunca foram miúdos de me vir aborrecer às seis ou sete da
manhã aos fins de semana ou de me dar noites mal dormidas! Amém! Acho que os
eduquei bem ao longo da gestação…
É
aflitivo quando querem saber dos meus planos para o próximo mês! Ora, nenhum!
Se não sei sequer o que vou fazer para o jantar e decido na hora! Já me lembrei
de pôr uma lista de sugestões na porta do frigorífico, mas tenho a certeza de
que iria olhar para ela e torcer o nariz por não me apetecer comer nada do que
lá estivesse! Haverá alguma coisa pior do que saber que à segunda é dia de
salada russa com filetes e à terça, costeletas com arroz?! As rotinas fazem
falta, dizem. A quem? Elas existem, porque temos de viver numa sociedade
organizada e que nos obriga a cumprir, porque somos peças da engrenagem, mas a
liberdade é muito mais apetecível! Por isso, foi com uma pontinha de inveja que
li a notícia sobre um casal de professores que passou um tempo a juntar
dinheiro para poderem dar uma volta ao mundo durante um ano. Ambos pediram
licença sem vencimento. Traçaram um plano, uma rota, que não é inflexível e que
sofre ajustamentos, e partiram à aventura por esse mundo fora. Vão criando e
publicando conteúdos digitais, o que lhes permite irem ganhando mais algum
dinheiro para se manterem no sonho. Julgo que não têm filhos. Dou comigo a
pensar que gostaria de fazer o mesmo se os meus estivessem fora do ninho. Sair
assim, livremente, à descoberta da beleza que a vida ainda tem para oferecer, numa
tentativa de combate à desilusão que a humanidade sempre é.
Nina
M.
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