Determinismo ou livre-arbítrio
Os pais fazem sacrifícios pelos filhos. É a lei do amor que se cumpre, de forma natural.
Vou poucas vezes aos jogos da Matilde,
porque nem sempre há disponibilidade. Ela gosta que a mãe vá, mas a verdade é
que, hoje, se saiu às 16h00 para chegar às 21h30 a casa! Só mesmo por amor à
filha passar por tal desperdício de tempo! Ainda me arrependi de não ter levado
um livro. Sempre ia passando melhor… Ia intervalando entre páginas e jogo. Bem,
pelo menos ganharam e as miúdas estavam a precisar de uma vitória… Creio que as
miúdas e os pais que as acompanham, porque há um grupo de pais, sempre
certinho, a acompanhar as filhas. Gabo-lhes a tenacidade e agradeço o facto de
tantas vezes darem boleia à Matilde. Já se conhecem todos. Devem ser muitos
anos a virar frangos… Escusado será dizer que me fazem sentir um bocadinho
displicente, mas não tenho, de facto, muita paciência para aquilo. Maldigo
sempre o clube não ter a capacidade financeira para poder transportar as
atletas…
Quando olho para o relógio e vejo o
tempo a passar sem que esteja a produzir algo de útil ou a fazer algo que me dê
verdadeiramente prazer, estremeço e vou bocejando, lembrando-me de que fiz a
miúda feliz. Vou vibrando a cada ponto que fazem e lamentando os que perdem,
mas não compensa a sensação de desperdício temporal com que sempre fico. Ainda
mais com pais que gostam de levar e de tocar bombo para apoiar a equipa da sua
pupila! Deus me livre! Alguém é capaz de me explicar o motivo por que há tanto
minhoto a gostar do barulho de bombo e de gaitas?! Levantei-me e afastei-me do
local onde estava para o ruído não ser tão ensurdecedor, mas, na verdade,
apeteceu-me arrancar as baquetas das mãos da senhora e dar-lhe com elas na
cabeça, dizendo-lhe que fosse fazer barulho para a sua terra! Ups! Ocorreu-me
logo depois que ela estava na sua terra. Eu é que não. Pensei que talvez fosse
uma das professoras que andou pelo Marquês em reivindicação barulhenta e tive
de lhe perdoar… Tudo por amor de uma filha. O próximo passo será ter de a levar
a um jogo de vólei feminino ao Dragão Caixa. Já me anda a pedir há algum tempo,
mas ainda não me dispus. Um dia destes terá de ser.
Ainda em casa, antes de sair, a propósito
de um desafio lançado ao irmão e que ele declinou (tudo o que implique um certo
esforço, ele dispensa), perguntando-me por que razão insistia com ele. Respondi-lhe
que era apenas para que ele experimentasse algo novo, porque sem tentar não
sabe se gosta e pode estar a perder uma oportunidade de descobrir o que lhe dá
prazer. Diz-lhe imediatamente a pequena que tinha visto um vídeo em que
perguntavam a um homem o que era a vida e eu, que casualmente tinha visto
também, sabia que ela estava a falar do Clóvis de Barros Júnior e quis saber o
que ela tinha entendido, assim, perguntei o que lhe tinha respondido o
professor Clóvis. Disse que a vida era tristeza. Ela não reproduziu fielmente.
Corrigi. Não disse antes que era dor e sofrimento, porque antes de nascer
ninguém sente dor e depois de morrer, que se saiba também não? Foi isso anuiu.
O que ela quis dizer ao irmão é que sem esforço e empenho nada se faz. A
Matilde é assim. Empenhada no que faz.
Perdido no seus
pensamentos e com a matéria de filosofia fresca, a propósito do livre-arbítrio
(fez teste durante a semana), acusou-nos de determinismo. Percebi a intenção.
Como lhe apontamos a sua procrastinação, quis avisar-nos de que a biologia não
comanda tudo. Corrigi-o e desenganei-o. A mãe não é determinista radical. O
livre-arbítrio, ainda que condicionado sempre existe, mas então, que soubesse
(e falei-lhe de Sartre e do existencialismo) que a liberdade implica escolha,
responsabilidade e angústia. A partir do momento que estamos conscientes de que
há uma escolha que é sempre nossa, deixamos de poder escudar-nos no azar ou na
biologia para justificarmos as consequências da nossa ação, sejam elas boas ou
más. É bom que saibas que quando te deparas com uma situação menos positiva,
consciente ou inconscientemente também terás contribuído para ela. Haverá
sempre uma parte da responsabilidade que te caberá a ti, fruto da tua escolha,
pelo que a vitimização prolongada e constante é proibida. Tens direito a alguns
minutos de autocomiseração, mas depois disso és obrigado a reagir. Justifica o
absurdo da tua existência pela essência que construíres. Depois, acrescentei
que isto era Filosofia e quando ele e os seus colegas perguntam para que serve
a disciplina, que saibam que serve para pensar e que tem aplicação prática. Por
isso é tão importante o seu estudo.
Ouviu-me
calado e nada disse. Sei que tenho um rebelde por inação. Talvez tenha ficado a
pensar, mas sei que me vai mandar o desafio às malvas… Nunca responde, mas
acaba sempre por fazer de mansinho e de fininho o que lhe apetece.
Quando
cheguei a casa, já tarde, deu-me a novidade, com ar triunfal, de que os amigos
lhe ligaram para sair, mas que ele não foi, porque tinha de estudar para o teste
que vai ter na segunda. Muito bem, respondi. A vitória do livre-arbítrio sobre a
biologia. Parabéns.
Irmãos
tão diferentes e tão meus. Adoro-os!
Nina
M.
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