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sábado, 18 de março de 2023

Crónica de Maus Costumes 317

 

Determinismo ou livre-arbítrio

     Os pais fazem sacrifícios pelos filhos. É a lei do amor que se cumpre, de forma natural.

Vou poucas vezes aos jogos da Matilde, porque nem sempre há disponibilidade. Ela gosta que a mãe vá, mas a verdade é que, hoje, se saiu às 16h00 para chegar às 21h30 a casa! Só mesmo por amor à filha passar por tal desperdício de tempo! Ainda me arrependi de não ter levado um livro. Sempre ia passando melhor… Ia intervalando entre páginas e jogo. Bem, pelo menos ganharam e as miúdas estavam a precisar de uma vitória… Creio que as miúdas e os pais que as acompanham, porque há um grupo de pais, sempre certinho, a acompanhar as filhas. Gabo-lhes a tenacidade e agradeço o facto de tantas vezes darem boleia à Matilde. Já se conhecem todos. Devem ser muitos anos a virar frangos… Escusado será dizer que me fazem sentir um bocadinho displicente, mas não tenho, de facto, muita paciência para aquilo. Maldigo sempre o clube não ter a capacidade financeira para poder transportar as atletas…

Quando olho para o relógio e vejo o tempo a passar sem que esteja a produzir algo de útil ou a fazer algo que me dê verdadeiramente prazer, estremeço e vou bocejando, lembrando-me de que fiz a miúda feliz. Vou vibrando a cada ponto que fazem e lamentando os que perdem, mas não compensa a sensação de desperdício temporal com que sempre fico. Ainda mais com pais que gostam de levar e de tocar bombo para apoiar a equipa da sua pupila! Deus me livre! Alguém é capaz de me explicar o motivo por que há tanto minhoto a gostar do barulho de bombo e de gaitas?! Levantei-me e afastei-me do local onde estava para o ruído não ser tão ensurdecedor, mas, na verdade, apeteceu-me arrancar as baquetas das mãos da senhora e dar-lhe com elas na cabeça, dizendo-lhe que fosse fazer barulho para a sua terra! Ups! Ocorreu-me logo depois que ela estava na sua terra. Eu é que não. Pensei que talvez fosse uma das professoras que andou pelo Marquês em reivindicação barulhenta e tive de lhe perdoar… Tudo por amor de uma filha. O próximo passo será ter de a levar a um jogo de vólei feminino ao Dragão Caixa. Já me anda a pedir há algum tempo, mas ainda não me dispus. Um dia destes terá de ser.

                Ainda em casa, antes de sair, a propósito de um desafio lançado ao irmão e que ele declinou (tudo o que implique um certo esforço, ele dispensa), perguntando-me por que razão insistia com ele. Respondi-lhe que era apenas para que ele experimentasse algo novo, porque sem tentar não sabe se gosta e pode estar a perder uma oportunidade de descobrir o que lhe dá prazer. Diz-lhe imediatamente a pequena que tinha visto um vídeo em que perguntavam a um homem o que era a vida e eu, que casualmente tinha visto também, sabia que ela estava a falar do Clóvis de Barros Júnior e quis saber o que ela tinha entendido, assim, perguntei o que lhe tinha respondido o professor Clóvis. Disse que a vida era tristeza. Ela não reproduziu fielmente. Corrigi. Não disse antes que era dor e sofrimento, porque antes de nascer ninguém sente dor e depois de morrer, que se saiba também não? Foi isso anuiu. O que ela quis dizer ao irmão é que sem esforço e empenho nada se faz. A Matilde é assim. Empenhada no que faz.

Perdido no seus pensamentos e com a matéria de filosofia fresca, a propósito do livre-arbítrio (fez teste durante a semana), acusou-nos de determinismo. Percebi a intenção. Como lhe apontamos a sua procrastinação, quis avisar-nos de que a biologia não comanda tudo. Corrigi-o e desenganei-o. A mãe não é determinista radical. O livre-arbítrio, ainda que condicionado sempre existe, mas então, que soubesse (e falei-lhe de Sartre e do existencialismo) que a liberdade implica escolha, responsabilidade e angústia. A partir do momento que estamos conscientes de que há uma escolha que é sempre nossa, deixamos de poder escudar-nos no azar ou na biologia para justificarmos as consequências da nossa ação, sejam elas boas ou más. É bom que saibas que quando te deparas com uma situação menos positiva, consciente ou inconscientemente também terás contribuído para ela. Haverá sempre uma parte da responsabilidade que te caberá a ti, fruto da tua escolha, pelo que a vitimização prolongada e constante é proibida. Tens direito a alguns minutos de autocomiseração, mas depois disso és obrigado a reagir. Justifica o absurdo da tua existência pela essência que construíres. Depois, acrescentei que isto era Filosofia e quando ele e os seus colegas perguntam para que serve a disciplina, que saibam que serve para pensar e que tem aplicação prática. Por isso é tão importante o seu estudo.

Ouviu-me calado e nada disse. Sei que tenho um rebelde por inação. Talvez tenha ficado a pensar, mas sei que me vai mandar o desafio às malvas… Nunca responde, mas acaba sempre por fazer de mansinho e de fininho o que lhe apetece.

Quando cheguei a casa, já tarde, deu-me a novidade, com ar triunfal, de que os amigos lhe ligaram para sair, mas que ele não foi, porque tinha de estudar para o teste que vai ter na segunda. Muito bem, respondi. A vitória do livre-arbítrio sobre a biologia. Parabéns.

Irmãos tão diferentes e tão meus. Adoro-os!

 

Nina M.

 

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