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sábado, 11 de março de 2023

Crónica de Maus Costumes 316

 

O desconcerto do Mundo

Não vou citar a esparsa de Camões “Os bons vi sempre passar” onde, num registo mais íntimo e pessoal, o poeta lamenta as injustiças mundanas de que foi acometido. Parecia que o Universo conspirava contra ele, independentemente dos “erros seus, má-fortuna e amor ardente” que o deitaram a perder, mas tenho de lhe conceder a razão em relação ao desconcerto do mundo.

Se quisermos pegar num tema universal e que diz respeito a todos, olhamos para a Guerra que assola a Europa, espoletada pelo sanguinário russo. As vidas que já se perderam no combate sangrento e miserável não serão recuperadas e o destino duvidoso dado a crianças órfãs ou perdidas dos progenitores não será acompanhado. É uma insanidade que no século XXI se continue a cometer atropelos aos direitos humanos, diariamente, sem que se consiga fazer com que os agressores arrepiem caminho ou sequer mostrem arrependimento. O flagelo da fome, que afeta ainda alguns países enquanto noutros o desperdício alimentar fere a alma e os olhos de quem ainda tem consciência, parece não terminar. As assimetrias sociais e económicas agravam-se. Há quem tenha dinheiro para ir à lua, mas há infinitamente mais a viver em condições deploráveis. Por que razão há de alguém querer pisar solo lunar se com esse dinheiro puder salvar vidas?

Se olharmos mais de perto, vemos outras iniquidades em lugares onde não deveriam existir. O mundo não é um lugar recomendável. Julgo que nunca foi.

A comunidade católica tem sido fustigada pela existência de crimes de abuso sexual de menores, dentro da Igreja. Esta não é feita de pedras, mas de homens. Por assim ser, subverte a Palavra que diz e deveria defender. Nem todos os seus membros são criminosos, obviamente. Não se pode confundir a árvore com a floresta, mas o problema agrava-se quando as árvores são muitas, porque ações dessa natureza anulam todas as outras boas obras que também existem. Assim, a Conferência Episcopal foi uma desilusão e talvez um sinal de que não há vontade política dentro da instituição para emendar o que está mal, indemnizar quem sofreu nas mãos em quem depositou confiança e ser, definitivamente, digna e fiel depositária da mensagem de amor do que morreu na cruz para remir os pecados da humanidade.

Se hoje pudesse conversar com Deus (a fiar que ele existe) perguntar-lhe-ia que ideia peregrina foi essa de entregar o próprio filho ao mundo como cordeiro imolado. O exemplo não frutificou. Talvez tivesse sido melhor enviar mais uns quantos e deixá-los a pregar o amor, através do seu exemplo. Eu sei que também os houve e há, mas são manifestamente insuficientes... Interrogo-me sobre quantos mais filhos terão de morrer e quanto mais sangue terá de ser lavado para que o mundo se transforme. Questiono-me se este mundo não passa de um lugar onde Deus e Satanás medem as suas forças… Eu não queria ser desmancha-prazeres, ó Deus, mas ou abres os olhos e mudas de estratégia ou parece-me que levarás uma abada! Assim, de repente, parecem-me os estragos maiores do que a boa vontade! Ou então uma só alma depravada é capaz de subjugar milhares de almas justas… Parece-me que o tabuleiro está inclinado e o jogo está sempre favorável para o lado do Capeto…

Não vejo que outro antídoto possa ser usado contra esta esquizofrenia a não ser puxar do gene egoísta e refugiarmo-nos no nosso mundo mais pequeno e íntimo, no calor do que nos consola, no conforto dos que nos amam e na vida tão mais privilegiada sem que nada se tivesse feito para a merecer. Vivemos assim, numa espécie de torpor, preocupados com as nossas pequenas lutas, a esquecer uma responsabilidade coletiva para não sermos corroídos nem pela culpa nem pela vergonha.

Há quem a exponha por escrito, em prosa ou em verso, nas melodias ou nas telas de ecrãs, numa tela de museu, ou em peças jornalísticas para chegar ao mundo. Tudo não passa de uma forma inócua e ingénua de aliviar a consciência e a dor, talvez a sensação ilusória de que se tentou fazer a sua parte para construir um mundo mais limpo. Nada disso interessa aos que sofrem os horrores. Apenas os assaltará o medo e a revolta e como os deuses podem ser cruéis, com a libertação do mal trazido, obviamente, pela mão da mulher (Pandora), num laivo de sadismo, deixou-lhes também a esperança para que queiram a sobrevivência a qualquer preço.

 

Nina M.

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