O desconcerto do Mundo
Não
vou citar a esparsa de Camões “Os bons vi
sempre passar” onde, num registo mais íntimo e pessoal, o poeta lamenta as
injustiças mundanas de que foi acometido. Parecia que o Universo conspirava
contra ele, independentemente dos “erros
seus, má-fortuna e amor ardente” que o deitaram a perder, mas tenho de lhe
conceder a razão em relação ao desconcerto do mundo.
Se
quisermos pegar num tema universal e que diz respeito a todos, olhamos para a
Guerra que assola a Europa, espoletada pelo sanguinário russo. As vidas que já
se perderam no combate sangrento e miserável não serão recuperadas e o destino
duvidoso dado a crianças órfãs ou perdidas dos progenitores não será
acompanhado. É uma insanidade que no século XXI se continue a cometer atropelos
aos direitos humanos, diariamente, sem que se consiga fazer com que os
agressores arrepiem caminho ou sequer mostrem arrependimento. O flagelo da
fome, que afeta ainda alguns países enquanto noutros o desperdício alimentar
fere a alma e os olhos de quem ainda tem consciência, parece não terminar. As
assimetrias sociais e económicas agravam-se. Há quem tenha dinheiro para ir à
lua, mas há infinitamente mais a viver em condições deploráveis. Por que razão
há de alguém querer pisar solo lunar se com esse dinheiro puder salvar vidas?
Se
olharmos mais de perto, vemos outras iniquidades em lugares onde não deveriam
existir. O mundo não é um lugar recomendável. Julgo que nunca foi.
A
comunidade católica tem sido fustigada pela existência de crimes de abuso
sexual de menores, dentro da Igreja. Esta não é feita de pedras, mas de homens.
Por assim ser, subverte a Palavra que diz e deveria defender. Nem todos os seus
membros são criminosos, obviamente. Não se pode confundir a árvore com a
floresta, mas o problema agrava-se quando as árvores são muitas, porque ações
dessa natureza anulam todas as outras boas obras que também existem. Assim, a Conferência
Episcopal foi uma desilusão e talvez um sinal de que não há vontade política
dentro da instituição para emendar o que está mal, indemnizar quem sofreu nas
mãos em quem depositou confiança e ser, definitivamente, digna e fiel
depositária da mensagem de amor do que morreu na cruz para remir os pecados da
humanidade.
Se
hoje pudesse conversar com Deus (a fiar que ele existe) perguntar-lhe-ia que
ideia peregrina foi essa de entregar o próprio filho ao mundo como cordeiro imolado.
O exemplo não frutificou. Talvez tivesse sido melhor enviar mais uns quantos e
deixá-los a pregar o amor, através do seu exemplo. Eu sei que também os houve e
há, mas são manifestamente insuficientes... Interrogo-me sobre quantos mais
filhos terão de morrer e quanto mais sangue terá de ser lavado para que o mundo
se transforme. Questiono-me se este mundo não passa de um lugar onde Deus e Satanás
medem as suas forças… Eu não queria ser desmancha-prazeres, ó Deus, mas ou
abres os olhos e mudas de estratégia ou parece-me que levarás uma abada! Assim,
de repente, parecem-me os estragos maiores do que a boa vontade! Ou então uma
só alma depravada é capaz de subjugar milhares de almas justas… Parece-me que o
tabuleiro está inclinado e o jogo está sempre favorável para o lado do Capeto…
Não
vejo que outro antídoto possa ser usado contra esta esquizofrenia a não ser
puxar do gene egoísta e refugiarmo-nos no nosso mundo mais pequeno e íntimo, no
calor do que nos consola, no conforto dos que nos amam e na vida tão mais
privilegiada sem que nada se tivesse feito para a merecer. Vivemos assim, numa espécie
de torpor, preocupados com as nossas pequenas lutas, a esquecer uma responsabilidade
coletiva para não sermos corroídos nem pela culpa nem pela vergonha.
Há quem
a exponha por escrito, em prosa ou em verso, nas melodias ou nas telas de ecrãs,
numa tela de museu, ou em peças jornalísticas para chegar ao mundo. Tudo não passa
de uma forma inócua e ingénua de aliviar a consciência e a dor, talvez a sensação
ilusória de que se tentou fazer a sua parte para construir um mundo mais limpo.
Nada disso interessa aos que sofrem os horrores. Apenas os assaltará o medo e a
revolta e como os deuses podem ser cruéis, com a libertação do mal trazido, obviamente,
pela mão da mulher (Pandora), num laivo de sadismo, deixou-lhes também a esperança
para que queiram a sobrevivência a qualquer preço.
Nina
M.
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