Schopenhauer, o pessimista
Mário de Carvalho, no texto saído
no exame de Português do ensino secundário, ironiza com a própria ignorância e
desconhecimento sobre as obras de literatura mundial e a inibição que o saber
de outros pode causar-lhe, para afirmar a liberdade que cada um de nós tem de
manifestar a sua opinião sobre as mesmas, sem receio da crítica dos estudiosos.
Após admitir a sua ignorância, afirma que o seu trabalho de falar sobre nada,
porque nada sabe é mais difícil do que falar sobre tudo, que supõe saber-se
tudo sobre tudo.
Não sei se Mário de Carvalho se terá
alguma vez sentido achincalhado ou diminuído por alguém que possa ter
considerado os seus pensamentos a propósito de algo ou de alguma obra ligeiros
ou insuficientes e quem sabe erróneos, mas sei o amargo de reconhecer saber tão
pouco, apesar de se gostar do saber. Essa consciência é terrível e pesada. Há,
efetivamente, a liberdade de manifestar uma opinião, sim, mas a possibilidade
do erro e a probabilidade de um especialista em exegese puxar o tapete e
ridicularizar o comentário é intimidatório. Mário de Carvalho exagerou, porque
sabe, certamente, bem mais do que sentencia, mas para o comum dos mortais, que
procura saber e se reconhece sempre tão distante do que almeja, não há motivo
para ironias, mas antes receio do ridículo e do erro. Pressinto que é também
isto a angústia que ele tenta exorcizar. Não adianta. É mesmo “difícil viver
com essa deficiência e inferioridade” e a única forma de a combater, que é
através da leitura e do estudo, parece sempre insuficiente e causa a terrível
sensação de andar a correr atrás do prejuízo.
Por uma situação similar em conversa
de rede social, dou por mim atrás de Schopenhauer, o pessimista, que apresenta
uma visão pessimista do amor, tratando-o como um impulso sexual e ilusório. O
homem procura a mulher bela, de preferência entre os 18 e os 28 anos por se
encontrar no período fértil e as mulheres, os homens entre os 30 e os 35, por
estarem no apogeu, apreciando a masculinidade, a proteção para si e para a
futura criança. Tudo isto sob a ilusão de que o sujeito tudo faz para a sua
felicidade, quando, na verdade, apenas obedece ao ímpeto sexual ou ao que ele
designa de vontade de vida que é
inconsciente, mas que faz com que o indivíduo se eternize na propagação da
espécie. Assim, procura o parceiro que complete o que lhe falha, citando o
exemplo de que um homem loiro poderá preferir uma mulher morena e um homem
fraco, uma mulher forte…
Explicar o amor pelo determinismo
biológico não me parece suficiente. A filosofia de Schopenhauer não traz boas
perspetivas futuras. Depois de satisfeita, a vontade de vida esmorece, os amantes revelam-se pessoas com os seus
defeitos e a ilusão desfaz-se. Não é a felicidade do casal que o amor prometia,
mas a simples continuação da vida. Desta forma, os casamentos por amor estão
fadados ao insucesso e com prazo de validade curto. A vida utilizou os amantes
para dar início à próxima geração que também enganará. Concluindo, toda a
paixão amorosa é impulso sexual e os amantes os criminosos que, com o seu ato,
perpetuam a ilusória promessa de felicidade, a tristeza, a desilusão e a miséria
do mundo.
Porém,
nos casos em que tal suceda, talvez não se possa falar de amor e a palavra esteja
a ser mercantilizada. Fale-se de desejo, então. Entender o amor desta forma é,
naturalmente, pessimista (falamos de Schopenhauer), e ficam várias questões por
explicar… Como explicar à luz deste pensamento o amor depois da idade fértil?
Também não explica que se continue a desejar quem se tem ao lado, mesmo que
envelheça; elimina da equação outras propriedades como as semelhanças e gostos
comuns, uma ética de vida comum, enfim uma série de condicionantes importantes para
a viabilidade do amor, não contempla o amor entre pessoas do mesmo sexo, já que
o fim não seria a procriação… E outras que poderíamos sugerir. Não explica que Saramago
falasse de Pilar como o acontecimento da sua vida, mesmo ao fim de tantos anos…
O filósofo
da primeira metade do século XIX, para quem o fim da existência é a dor e o tédio
e para quem a felicidade um mero interlúdio enganoso, influenciou Nietzsche, Freud,
Wittgenstein, Einstein, entre outros grandes vultos, mas discordo de quem me disse
que percebia mais de amor do que qualquer um de nós.
Faço
como o Mário de Carvalho e invoco o direito de tresler, se for o caso.
Nina M.
Sem comentários:
Enviar um comentário