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sábado, 18 de junho de 2022

Crónica de Maus Costumes 282

 

Schopenhauer, o pessimista

                 Mário de Carvalho, no texto saído no exame de Português do ensino secundário, ironiza com a própria ignorância e desconhecimento sobre as obras de literatura mundial e a inibição que o saber de outros pode causar-lhe, para afirmar a liberdade que cada um de nós tem de manifestar a sua opinião sobre as mesmas, sem receio da crítica dos estudiosos. Após admitir a sua ignorância, afirma que o seu trabalho de falar sobre nada, porque nada sabe é mais difícil do que falar sobre tudo, que supõe saber-se tudo sobre tudo.

            Não sei se Mário de Carvalho se terá alguma vez sentido achincalhado ou diminuído por alguém que possa ter considerado os seus pensamentos a propósito de algo ou de alguma obra ligeiros ou insuficientes e quem sabe erróneos, mas sei o amargo de reconhecer saber tão pouco, apesar de se gostar do saber. Essa consciência é terrível e pesada. Há, efetivamente, a liberdade de manifestar uma opinião, sim, mas a possibilidade do erro e a probabilidade de um especialista em exegese puxar o tapete e ridicularizar o comentário é intimidatório. Mário de Carvalho exagerou, porque sabe, certamente, bem mais do que sentencia, mas para o comum dos mortais, que procura saber e se reconhece sempre tão distante do que almeja, não há motivo para ironias, mas antes receio do ridículo e do erro. Pressinto que é também isto a angústia que ele tenta exorcizar. Não adianta. É mesmo “difícil viver com essa deficiência e inferioridade” e a única forma de a combater, que é através da leitura e do estudo, parece sempre insuficiente e causa a terrível sensação de andar a correr atrás do prejuízo.

            Por uma situação similar em conversa de rede social, dou por mim atrás de Schopenhauer, o pessimista, que apresenta uma visão pessimista do amor, tratando-o como um impulso sexual e ilusório. O homem procura a mulher bela, de preferência entre os 18 e os 28 anos por se encontrar no período fértil e as mulheres, os homens entre os 30 e os 35, por estarem no apogeu, apreciando a masculinidade, a proteção para si e para a futura criança. Tudo isto sob a ilusão de que o sujeito tudo faz para a sua felicidade, quando, na verdade, apenas obedece ao ímpeto sexual ou ao que ele designa de vontade de vida que é inconsciente, mas que faz com que o indivíduo se eternize na propagação da espécie. Assim, procura o parceiro que complete o que lhe falha, citando o exemplo de que um homem loiro poderá preferir uma mulher morena e um homem fraco, uma mulher forte…

            Explicar o amor pelo determinismo biológico não me parece suficiente. A filosofia de Schopenhauer não traz boas perspetivas futuras. Depois de satisfeita, a vontade de vida esmorece, os amantes revelam-se pessoas com os seus defeitos e a ilusão desfaz-se. Não é a felicidade do casal que o amor prometia, mas a simples continuação da vida. Desta forma, os casamentos por amor estão fadados ao insucesso e com prazo de validade curto. A vida utilizou os amantes para dar início à próxima geração que também enganará. Concluindo, toda a paixão amorosa é impulso sexual e os amantes os criminosos que, com o seu ato, perpetuam a ilusória promessa de felicidade, a tristeza, a desilusão e a miséria do mundo.

Porém, nos casos em que tal suceda, talvez não se possa falar de amor e a palavra esteja a ser mercantilizada. Fale-se de desejo, então. Entender o amor desta forma é, naturalmente, pessimista (falamos de Schopenhauer), e ficam várias questões por explicar… Como explicar à luz deste pensamento o amor depois da idade fértil? Também não explica que se continue a desejar quem se tem ao lado, mesmo que envelheça; elimina da equação outras propriedades como as semelhanças e gostos comuns, uma ética de vida comum, enfim uma série de condicionantes importantes para a viabilidade do amor, não contempla o amor entre pessoas do mesmo sexo, já que o fim não seria a procriação… E outras que poderíamos sugerir. Não explica que Saramago falasse de Pilar como o acontecimento da sua vida, mesmo ao fim de tantos anos…

O filósofo da primeira metade do século XIX, para quem o fim da existência é a dor e o tédio e para quem a felicidade um mero interlúdio enganoso, influenciou Nietzsche, Freud, Wittgenstein, Einstein, entre outros grandes vultos, mas discordo de quem me disse que percebia mais de amor do que qualquer um de nós.

Faço como o Mário de Carvalho e invoco o direito de tresler, se for o caso.

 Nina M.

 

 

 

 

 

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