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sábado, 28 de agosto de 2021

Crónica de Maus Costumes 243

 

Regressos

O final de agosto é tempo de voltar à rotina para a maioria dos portugueses. Novo ano letivo se aproxima e as férias terminam. É tempo de regressos, reinícios ou novas experiências, nalguns casos.

Para mim, será um feliz regresso. Desejo a todos aqueles que iniciam uma nova etapa laboral ou que apenas retomam a sua atividade habitual as maiores felicidades. Certamente, a  vacinação massiva da população dará os seus frutos e este ano será menos atribulado do que o últimos dois anos letivos (para mim, o tempo rege-se mais pelo calendário escolar do que pelo civil). Segundo a DGS, “entre janeiro e 8 de agosto de 2021, foram identificados 16.671 casos de infeção em 5.467.487 pessoas com esquema vacinal completo contra a COVID-19 há mais de 14 dias.” Significa que apenas 0,3% das pessoas vacinadas contraíram o maldito vírus. Mesmo não sendo totalmente eficaz, há uma ótima margem de segurança. Os casos que acompanhei de pessoas vacinadas que contraíram o vírus manifestaram-se felizes por terem as duas doses da vacina, porque nuns casos os sintomas foram ligeiros e noutros as pessoas foram assintomáticas, mesmo os idosos. Boa notícia para o SNS que não verá os serviços sobrelotados, bom para os portugueses que não precisarão de adiar os tratamentos de outras doenças nem de lidar com o número de mortos do inverno passado. Será bom para economia, pais, alunos e professores. Finalmente, recuperaremos a normalidade, apesar de ainda haver cuidados a ter.

Se o mundo pode tranquilizar um pouco mais com estes dados, não deveria fechar os olhos à crueldade. Em meia-dúzia de dias, os talibãs tomaram Cabul, após a retirada dos Estados-Unidos da América. Entre 1996 e 2001, estes fundamentalistas islâmicos espalharam o terror e oprimiram a mulher. A crueldade parece não ter fim à vista e é certo que o exército americano não pode permanecer no território indefinidamente, apesar de ter a sua responsabilidade na situação vivida. Também muniram os talibãs de armamento aquando do domínio russo. Porém, a sua presença nos últimos vinte anos permitiu às mulheres terem a liberdade de ser, o direito à existência. Agora, foram novamente votadas ao esquecimento e ao desaparecimento, como se não fossem elas grande força social. Não há homem que não tenha vindo do ventre sagrado da mulher. Eis a verdade que incomoda e tanto ofende. Sei apenas que não se pode votar aquela gente ao abandono e que talvez não se consiga nada sem o auxílio de outros países árabes circundantes, por quem os fundamentalistas são financiados. Não vejo como resolver a questão num país onde o sentido da vida ainda reside na oferta da própria existência em nome de um Deus de grandeza, conquistador e opressor. Os cristãos também tiveram os seus cruzados. O interesse económico tirou proveito do fundamentalismo. E eu olho aqueles grupos tribais, as diferentes fações do mundo islão e parece-me estar num filme passado na Idade Média. O mundo ocidental fez uma caminhada difícil ao longo dos séculos, de mãos dadas com a ciência, rejeitando os fundamentalismos religiosos e o obscurantismo sem fundamento. Assim se terminou com a maior vergonha da Igreja Católica: o Tribunal do Santo Ofício. Religiosos que mais não foram do que vendilhões do templo. Demónios que subverteram a palavra de amor deixada por aquele em cujo nome agiam. Homens que destroem a Igreja e que a afastam da Ideia de Deus. É bom que os cristãos não fechem os olhos a esta vergonhosa mácula, que percebam as atrocidades indesculpáveis, cometidas de forma injusta e aviltante. É bom que saibam que também carregam sangue inocente nas mãos para que o percurso de hoje possa ser limpo, para que a verdadeira palavra de amor que o Novo Testamento trouxe faça sentido. É bom que o cristão perceba que se exclui e rejeita o inocente perseguido, está a rejeitar a mensagem em que diz acreditar. Receber os refugiados (homens, mulheres e crianças) é, antes de mais, um dever humanitário de consciência e também um valor cristão. Quem não o souber claramente, então, não é nem humano nem cristão. Já agora, acrescento ainda que é perfeitamente possível ser-se humano sem ser cristão, mas ser cristão sem ser humano é uma hipocrisia e uma falácia.

Há discursos que são dispensáveis e que só instigam ao ódio. Às questões colocadas sobre os homens que ocupam os aviões em vez de mulheres, será bom relembrar que são aqueles que não partilham da visão fundamentalista islâmica, que colaboraram com as forças internacionais, intelectuais, políticos, jornalistas e ativistas que fogem de uma possível decapitação. Será assim difícil colocar-se no lugar do outro? À falácia vergonhosa de quem pergunta em tom jocoso e de certo regozijo onde andam as feministas e porque não vão reivindicar para o Afeganistão, ou por que razão não pintam os lábios de vermelho, só me apetece dizer-lhes uma coisa muito feia, que não posso escrever para não ser mal-educada. A defesa da dignidade e da liberdade da mulher é transversal a todas: europeias, africanas, asiáticas, americanas ou oceânicas.

O assunto é demasiado sério para ser tratado com essa leviandade e para se politizarem e polarizarem os discursos. É essa sordidez e baixeza moral que me incomoda nos meandros da política. Em tempo de crise e de atentado à humanidade, a única ação decente é tentar ajudar os que precisam.

 

Nina M.

 

 

 

 

 

 

 

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