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domingo, 7 de abril de 2019

Post Mortem

Se ela vier, meu amor,
Mais cedo do que queria
Para levar-me primeiro
Esse dia que será o meu derradeiro
Gostaria de virar-lhe as costas
Fingir-me já de morta
Fazer birra como a criança mimada
E recusar-me a partir...
Não cederá a maldita!
Cobertor curto que ao aconchegar o peito
Deixa a nu os pés frios
Oferecer-me-á descanso eterno
Num baile lento e terno
Que quererei evitar.
Para que quero o descanso?
Sou sangue escarlate sob veias azuis envelhecidas
Pensamento que viaja por mundos há muito perdidos
Sou vida e alma e ser somente... Para que me quer?
Se vier buscar-me antes dos noventa, amor,
Diz-lhe tu que não quero
Diz-lhe que não deixas que me leve
Mente-lhe com vontade e violência
Mesmo na tua impotência
Afugenta o Carrasco e Caronte
Levanta-lhe a foice defronte
E fá-la recuar, pecaminosa,
Por vir cedo desflorar a rosa...
Mas se no fim o plano falhar
E tiveres a minha morte de chorar
Amorta-lha-me de versos
Envolve-me na maresia
Deixa que leve o meu corpo inerte
Nunca, nunca, a minha poesia!

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