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sábado, 20 de abril de 2019

Crónica de Maus Costumes 128


Arte é humanidade e não desperdício


            O incêndio da Catedral de Notre-Dame tem feito correr rios de tinta. Primeiro pela perda do património, depois pelo gasto que implica a sua reconstrução.
            Nas redes sociais, têm sido diversas as opiniões e assim que apareceram os mecenas dispostos a ajudar na reconstrução do monumento, as críticas choveram em coro, porque o mecenato falhou com tragédias maiores, nomeadamente, com a última ocorrida em Moçambique, onde a ajuda humanitária tem sido insuficiente.
            Desta forma, a casa Dior e outras empresas que se juntaram ao propósito de reerguer a Catedral têm sido diabolizadas, porque têm o desplante de doar milhões para a preservação do património que já não pertence só aos franceses, mas a toda a humanidade.
            Parece-me um discurso absolutamente populista e um querer comparar situações incomparáveis.
Não quero retirar a importância e, porque não dizê-lo, a obrigação moral de prestar ajuda ao seu semelhante. Considero verdadeiramente inconcebível e inadmissível que o ser humano permita, no século XXI, que o seu semelhante morra à fome, por falta de cuidados básicos de saúde e por causa de guerras que financiam interesses de meia-dúzia de bandalhos em detrimento de populações, que são dizimadas. É feio. É desumano. Porém, não acredito na tese de que o Homem é naturalmente bom. Pelo contrário, o Homem é naturalmente mau. Foi a maldade que permitiu a sobrevivência da espécie e do mais forte. O filicídio, fratricídio e parricídio estão presentes ao longo da História, desde os deuses gregos, passando pelos imperadores, até chegarmos à atualidade. As motivações para crime tão hediondo são variadas. No caso de filicídio, Resnick aponta cinco motivações: altruísmo, psicose aguda, filho indesejado, acidente e vingança conjugal. Há vários estudos sobre o tema e que podem ser consultados. Independentemente do motivo, a atrocidade e a maldade estão presentes. Infelizmente, o ser humano tem dificuldade em criar verdadeira empatia pelo outro que desconhece, apesar de pertencer à mesma espécie. Não espanta, portanto, que os comportamentos altruístas em relação a certas catástrofes sejam manifestamente insuficientes… O que dizer quando um governo de uma nação envia os seus próprios filhos à morte numa guerra? O que dizer de um governo que condena a sua população à miséria, porque a corrupção contamina a sociedade? Os próprios Estados e os seus representantes legitimamente eleitos ou usurpadores do poder deveriam ser os primeiros defensores dos seus concidadãos, porém, os exemplos que nos chegam são exatamente o oposto. Enquanto a maldade, ambição e egoísmo imperarem, muito mal estará a humanidade. É assim há séculos! A questão essencial será compreender como se pode combater este estado de coisas e, na minha perspetiva, só vislumbro uma solução: através do meio psicossocial em que o indivíduo cresce e se desenvolve. Se a criança cresce com amor, aprenderá a amar, se cresce no ódio, aprenderá a odiar. Depois de se fornecerem as ferramentas ainda é necessário que cada um escolha o caminho que quer trilhar. Manter-se no lado bom, apesar das circunstâncias, também é uma escolha, mas para que possa ser uma opção, tem de ser dada a conhecer.
Assim, a primeira responsabilidade pelo auxílio das vítimas de uma catástrofe é da própria nação, depois, de todas as outras. Se este raciocínio imperasse, muitos males seriam esbatidos.
Assim, não me parece justo condenar grandes grupos económicos que querem salvar uma Catedral, mas que se mostram indiferentes perante uma tragédia. Na verdade, a responsabilidade de corrigir ou minimizar não pode ficar a seu cargo. Poderiam ter doado algo para Moçambique? Podiam, logicamente. Seria meritório e bonito, no entanto, o facto de não o terem feito não lhes retira o mérito de ajudarem na reconstrução de um património que é de todos e que é mais do que um monumento. É símbolo de civilização, cultura e beleza. Tão só o que de melhor o ser humano tem para oferecer. Obviamente, não foi inocente a escolha. Além da publicidade, o nome da empresa ficará para sempre nos anais da História! Também é através da arte que o Homem se transcende e oferece o melhor de si. Também é através da arte que se educa para o amor e contra a violência. É através da arte que a humanidade conta a sua história. O que seria da civilização se não tivessem existido uns Medici ou uns Sforza? O valor do legado que perdura pelo tempo e que nos chega até hoje e chegará, certamente, a séculos vindouros é incalculável, porque perpetuam o que de melhor o ser humano possui: a capacidade de criar e a possibilidade de transcendência e evolução através da arte.
Quem ainda não percebeu a importância e a essencialidade da preservação do património da humanidade, porquanto através dele se preserva o próprio Homem, ainda não percebeu nada!
Sinto-me grata pela doação destes milhões que não invalidam que se ajude quem precisa, porém, também sei que se todos os privados fossem fazer as doações necessárias para terminar com os horrores deste mundo, certamente, abririam falência!
Já dizia Cristo: “ Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” Contas de outro rosário…
Nina M.


           





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