Arte é humanidade e não desperdício
O
incêndio da Catedral de Notre-Dame
tem feito correr rios de tinta. Primeiro pela perda do património, depois pelo
gasto que implica a sua reconstrução.
Nas
redes sociais, têm sido diversas as opiniões e assim que apareceram os mecenas
dispostos a ajudar na reconstrução do monumento, as críticas choveram em coro,
porque o mecenato falhou com tragédias maiores, nomeadamente, com a última
ocorrida em Moçambique, onde a ajuda humanitária tem sido insuficiente.
Desta
forma, a casa Dior e outras empresas que se juntaram ao propósito de reerguer a
Catedral têm sido diabolizadas, porque têm o desplante de doar milhões para a
preservação do património que já não pertence só aos franceses, mas a toda a
humanidade.
Parece-me
um discurso absolutamente populista e um querer comparar situações
incomparáveis.
Não quero retirar
a importância e, porque não dizê-lo, a obrigação moral de prestar ajuda ao seu
semelhante. Considero verdadeiramente inconcebível e inadmissível que o ser
humano permita, no século XXI, que o seu semelhante morra à fome, por falta de
cuidados básicos de saúde e por causa de guerras que financiam interesses de
meia-dúzia de bandalhos em detrimento de populações, que são dizimadas. É feio.
É desumano. Porém, não acredito na tese de que o Homem é naturalmente bom. Pelo
contrário, o Homem é naturalmente mau. Foi a maldade que permitiu a
sobrevivência da espécie e do mais forte. O filicídio, fratricídio e parricídio
estão presentes ao longo da História, desde os deuses gregos, passando pelos imperadores,
até chegarmos à atualidade. As motivações para crime tão hediondo são variadas.
No caso de filicídio, Resnick aponta cinco motivações: altruísmo, psicose
aguda, filho indesejado, acidente e vingança conjugal. Há vários estudos sobre
o tema e que podem ser consultados. Independentemente do motivo, a atrocidade e
a maldade estão presentes. Infelizmente, o ser humano tem dificuldade em criar
verdadeira empatia pelo outro que desconhece, apesar de pertencer à mesma
espécie. Não espanta, portanto, que os comportamentos altruístas em relação a
certas catástrofes sejam manifestamente insuficientes… O que dizer quando um
governo de uma nação envia os seus próprios filhos à morte numa guerra? O que
dizer de um governo que condena a sua população à miséria, porque a corrupção
contamina a sociedade? Os próprios Estados e os seus representantes
legitimamente eleitos ou usurpadores do poder deveriam ser os primeiros
defensores dos seus concidadãos, porém, os exemplos que nos chegam são
exatamente o oposto. Enquanto a maldade, ambição e egoísmo imperarem, muito mal
estará a humanidade. É assim há séculos! A questão essencial será compreender
como se pode combater este estado de coisas e, na minha perspetiva, só
vislumbro uma solução: através do meio psicossocial em que o indivíduo cresce e
se desenvolve. Se a criança cresce com amor, aprenderá a amar, se cresce no ódio,
aprenderá a odiar. Depois de se fornecerem as ferramentas ainda é necessário
que cada um escolha o caminho que quer trilhar. Manter-se no lado bom, apesar
das circunstâncias, também é uma escolha, mas para que possa ser uma opção, tem
de ser dada a conhecer.
Assim, a primeira
responsabilidade pelo auxílio das vítimas de uma catástrofe é da própria nação,
depois, de todas as outras. Se este raciocínio imperasse, muitos males seriam
esbatidos.
Assim, não me parece
justo condenar grandes grupos económicos que querem salvar uma Catedral, mas
que se mostram indiferentes perante uma tragédia. Na verdade, a
responsabilidade de corrigir ou minimizar não pode ficar a seu cargo. Poderiam
ter doado algo para Moçambique? Podiam, logicamente. Seria meritório e bonito,
no entanto, o facto de não o terem feito não lhes retira o mérito de ajudarem
na reconstrução de um património que é de todos e que é mais do que um
monumento. É símbolo de civilização, cultura e beleza. Tão só o que de melhor o
ser humano tem para oferecer. Obviamente, não foi inocente a escolha. Além da
publicidade, o nome da empresa ficará para sempre nos anais da História! Também
é através da arte que o Homem se transcende e oferece o melhor de si. Também é
através da arte que se educa para o amor e contra a violência. É através da
arte que a humanidade conta a sua história. O que seria da civilização se não
tivessem existido uns Medici ou uns
Sforza? O valor do legado que perdura pelo tempo e que nos chega até hoje e
chegará, certamente, a séculos vindouros é incalculável, porque perpetuam o que
de melhor o ser humano possui: a capacidade de criar e a possibilidade de
transcendência e evolução através da arte.
Quem ainda não
percebeu a importância e a essencialidade da preservação do património da
humanidade, porquanto através dele se preserva o próprio Homem, ainda não
percebeu nada!
Sinto-me grata
pela doação destes milhões que não invalidam que se ajude quem precisa, porém,
também sei que se todos os privados fossem fazer as doações necessárias para
terminar com os horrores deste mundo, certamente, abririam falência!
Já dizia Cristo:
“ Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” Contas de outro rosário…
Nina M.
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