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sábado, 27 de abril de 2019

Crónica de Maus Costumes 129


Passeio, repasto e amizade

            Imitando a personagem Jacinto de “A Cidade e as Serras”, bem acompanhada, embrenhei-me pela serra, por trilhos elevados e verdejantes. A espessa verdura, cheiro a natureza e ar puro compensam as dificuldades de um trajeto sinuoso, que culmina no cimo do monte. Qual cereja no topo do bolo!
            Desbravada a selva, alcançamos o lugar de destino: Tormes! De lá, a vista expande-se pelas montanhas, vales e um imenso céu azul. Fica-se mais próximo de Deus. Sente-se o cheiro das flores e a frescura. Ouvem-se os pássaros, o marulhar das águas e, sobretudo, o silêncio impoluto e esclarecedor!
            Tudo surpreendeu Jacinto, como surpreendeu verdadeiramente Eça e todos aqueles que ali chegam.
            Entrar na casa onde esteve o grande escritor, observar os seus objetos, a secretária alta, onde escrevia de pé, os livros velhos e com história, a mobília trazida de Paris… Respirar o ambiente onde Eça esteve e poder imaginá-lo a passear pelos cómodos, a escrever, a jantar… É torná-lo presente. Vivo no nosso imaginário. Assim as pessoas se fazem imortais. Sente-se, naquela casa, o homem para além do escritor. O pai dedicado, o cônsul competente e o amigo a quem se é reconhecido! O homem importante que se lambuzou com um arroz de favas e frango alourado, deixando-se surpreender pelos paladares simples e naturais do campo. Ele, tão habituado ao requinte e ao chique de Paris, seduzido pela ruralidade e autenticidade dos sabores…
            Os seus restos mortais (se ainda os houver) descansam nessa mesma terra, numa campa rasa e lisa de pedra, a lembrar a sua efemeridade. Nascemos nus. Partimos todos sem nada e nos tornamos em pó. Todos iguais no nascimento e na morte, parece querer dizer-nos a simplicidade do jazigo, sem qualquer epitáfio.
“Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia”. Poderia ser esta a frase, retirada de “A Relíquia” e posta junto à estátua do Eça que presta homenagem ao escritor, em Lisboa, a servir de identificação. O homem mais ilustre é o detentor do jazigo mais simples! Como gostei! Os seus descendentes souberam perpetuar-lhe a fina e acutilante ironia!
O homem das letras partiu, mas quase o senti deambular por entre os móveis, a rever os seus escritos e a bulir nos seus arquivos…
Será a fantasia a sobrepor-se à nua verdade…
Nina M.



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