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sábado, 19 de julho de 2025

Crónica de Maus Costumes 430

 

Futuro e escolhas

            Está prestes a finalizar uma etapa para muitos alunos e a começar outra. Há alunos, ainda, em exame, seja porque precisam de uma nova oportunidade para finalizarem o secundário, seja porque entendem que precisam de melhorar a classificação a determinada disciplina, para que possam alcançar os seus objetivos.

            Sempre que saem os resultados dos exames, fazem-se estatísticas e comparam-se resultados relativamente ao ano anterior, mesmo que as circunstâncias e os intervenientes no processo sejam diferentes,  como se isso não fizesse qualquer diferença para a análise. Esta tendência de olhar para o conjunto de uma perspetiva só inquina todo o processo.

            Constatou-se que a média nacional obtida na disciplina de Português subiu e que a Matemática desceu. Pior, nesta disciplina, 48% por cento dos alunos não alcançou a positiva. É francamente negativo. Se preferirmos uma perspetiva mais otimista, pode-se dizer que 52% dos alunos alcançaram resultados positivos. Ter quase metade dos alunos com classificações inferiores a dez não é bom e é necessário analisar detalhadamente as circunstâncias para se compreender o que se passa com os jovens portugueses e a Matemática (o eterno problema).

            Raramente, situações complicadas admitem leituras e soluções simples, portanto, dispenso sempre a tendência simplista de alguns levantarem o dedo em riste à falta de estudo e de comprometimento dos alunos e ao badalado facilitismo, como únicas explicações possíveis e viáveis e sem a admissão de outras causas. Creio serem capazes de fazer melhor. Os educadores têm a obrigação de fazerem um bocadinho melhor. Contra mim, tenho um adolescente com a suas dificuldades a Matemática e pouca motivação para o seu estudo. No entanto, ainda assim, é a disciplina para a qual se tenta preparar com maior zelo, dentro do seu perfil. Quando se fala de facilitismo, no secundário, torço o nariz. Vejo bem a quantidade de exercícios que os professores de Matemática impingem aos alunos, semanalmente, para que estes treinem, porque só com treino conseguem, nalguns casos, chegar à positiva e noutros alcançarem resultados muito bons. Egoisticamente e, talvez, erradamente, os professores de Matemática tendem a queimar tudo à sua volta, isto é, a quantidade de exercícios que lhes pedem para treino é tanta que se os das outras disciplinas pedissem o mesmo, os alunos não comiam nem dormiam. Na verdade, o ideal e o que os docentes desta disciplina aconselham aos alunos é a estudar, diariamente, pelo menos duas horas, mas se forem quatro tanto melhor. Ora… Pelo que observo, as meninas cumprem. A maioria dos rapazes não o faz. Não têm essa disciplina nem essa vontade férrea.  Se falta de estudo é isto. Sim, haverá falta de estudo. Seria interessante haver uma análise comparativa entre os resultados das meninas e dos rapazes, na Matemática.

            Sem desculpar a falta de empenho de muitos, se uma disciplina só exige que quase todo o tempo de estudo lhe seja dedicado, algo não pode estar bem. Mal dos alunos se tivessem de estudar duas horas diárias para todas as outras também. Os miúdos teriam um horário pior do que a jornada de trabalho dos pais. Particularmente, gostaria mesmo que existisse um estudo comparativo entre a Matemática exigida aos alunos portugueses, no ensino secundário, com a que se exige em países como a Finlândia, a Estónia (país que tem vindo a crescer em termos de resultados escolares, tendo ultrapassado a Finlândia, sempre usada como exemplo), a Dinamarca e, depois, os países asiáticos. Questiono-me se o programa da Matemática não é demasiado ambicioso para a capacidade cognitiva de uma maioria dos alunos, nesta faixa etária. Creio ser necessário esclarecer, com rigor, este aspeto. Naturalmente, há jovens mais dotados do que outros de inteligência matemática e é necessário encontrar um equilíbrio. Honestamente, querer pôr um aluno entre os 16 e os 18 anos, com dificuldades na disciplina, a estudar 3 ou 4 horas por dia é o mesmo que exigir a um sedentário 3 ou 4 horas de exercício diário. Interrogo-me se os adultos o conseguiriam fazer de forma consistente.

            Os alunos têm outras possibilidades, pensarão. É verdade, mas também têm o azar de ambicionarem, muitas vezes, uma profissão que lhes exige terem Matemática até ao 12º ano e terem de a usar como prova de ingresso, sem que, depois, precisem dela ao longo dos cursos. Acontece com alguns cursos na área da saúde, por exemplo. É um disparate! Haverá real necessidade de um programa que condiciona tanto os miúdos nas suas opções? Num certo fórum, um colega (não sei se seria de Matemática) afirmava que a maioria da população não precisa de saber o que é uma derivada ou uma integral. Eu pensei imediatamente que a mim, tal conhecimento, não me faz falta. Aliás, derivadas, só conheço o processo de formação de palavras (aposto que a malta das matemáticas também não sabe, com rigor, do que falo) e a integral, para mim, no que concerne farinhas, sempre ouvi dizer que é melhor para a saúde! Talvez haja conteúdos dispensáveis que devem ser abordados somente nas Universidades, nas áreas específicas em que, de facto, fazem falta.

            Continuo a defender uma mudança de paradigma na organização curricular, no secundário, à luz do que acontece noutros países europeus. Há um tronco comum de disciplinas obrigatórias, entre as quais, a língua materna, a Matemática, as Ciências, o Inglês, a História, a Filosofia e Educação Física. Depois, os alunos compõem o resto do seu currículo e tanto podem ter Literatura como Física ou dança ou geometria… Enfim, urge uma maior flexibilização dos currículos, mas para o fazer é preciso aferir com rigor quais os programas a implementar e, sobretudo, que sejam compatíveis com o nível de cognição, dentro da faixa etária dos alunos. É um absurdo continuar a ter alunos de humanidades que não gostam de ler, não gostam de línguas estrangeiras nem de Filosofia ou de História e só aí estão para evitar a Matemática. É uma pena que em quarenta anos nada tenha sido alterado relativamente a estas questões. Por que razão um aluno de Ciências e Tecnologias não pode ter Literatura, se for do seu agrado, ou um aluno de humanidades, Biologia?

            Certa altura, expliquei a alunos do 12º ano que fui muito mais feliz a partir do 10º ano, porque não tinha disciplinas de que não gostasse e me causassem calafrios, mas eu sou inteiramente vocacionada para as humanidades. Aliás, é sempre a condição humana que me apaixona. Portanto, a escolha da área foi óbvia. Porém, não tem de ser assim tão estanque. Não há razões para se obrigar os alunos a uma escolha definitiva tão cedo, sabendo-se que estas novas gerações são muito mais imaturas.

            Aos alunos que, ainda, prestarão provas, que a sorte vos sorria! Não se esqueçam: a sorte também dá algum trabalho.

 

Nina M.

           

 

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