Férias e atrasos
Último fim de
semana de julho e, como já se tornou hábito, esta rubrica semanal ficará em
pousio até agosto. É preciso parar e alterar rotinas. As férias são boas para
quebrar hábitos, mesmo que estes sejam aprazíveis. Aprender a abrandar e a não
ter pressa. Aprender a viver sem relógios e sem horas certas. Para muitos
poderá ser um desafio, para outros uma benesse.
Eu
gosto de poder andar sem relógio. Não significa almoçar às 15h00, mas às vezes,
às 14h00, poderá ser ou nem sequer almoçar propriamente… Fazer um pequeno-alomoço
mais consistente e tardio também sabe bem. É um aborrecimento andarmos a toque
de caixa das horas, principalmente, nos dias largos e quentes, em que as 19h00
nos parecem 17h00. Na verdade, quem me conhece estará a pensar que esses maquinismos
do tempo não me ofendem muito, porque eu esqueço-me de olhar para eles e quando
dou conta, o tempo já voou. É irritante e castrador termos de nos alinhar pelo
ritmo do mundo e o tempo só existe porque alguém inventou o relógio e as horas
certas. A vantagem das férias está nesta maior flexibilização temporal, saber
que se não se almoçar às 13h00 não vem mal ao mundo e pode-se sempre comer às
13h30 e sabe tão bem !
Em
minha defesa, sobre a má relação que tenho com o tempo (andamos variadas vezes
de costas voltadas), alego a possibilidade de eu não tomar conscientemente
parte nisso. Tenho a teoria do determinismo biológico de Sapolsky a
defender-me. Não olho para o relógio, porque o meu cérebro escolhe assim, antes
de qualquer decisão consciente, portanto, o livre-arbítrio será mera ilusão.
Cientificamente é possível provar que o cérebro escolhe antes da nossa
consciência. Evidentemente, esta teoria colocaria vários problemas ao ser
humano, nomeadamente, na aplicação da lei. Como punir alguém desprovido de
livre-arbítrio ? Por muito que me quisesse respaldar em Sapolsky, o
neurocompatibilismo não mo permite fazer, já que defende que mesmo que o
cérebro antecipe decisões, a consciência pode intervir, havendo espaço para a
liberdade, que é o mesmo que me dizerem, deixa-te de retóricas e vai olhando
para o relógio, se faz favor, gostes ou não ! À força de implementar este
hábito, o cérebro mudará com a experiência por ser plástico. O livre-arbítrio é
parcial e condicionado quer por fatores internos quer externos, mas existe !
Eu respondo : está bem, mas nas férias olharei para esse objeto com mais
parcimónia, porque elas foram inventadas para destruir as horas certas e
fazermos coisas que habitualmente não conseguimos realizar. Tanto pode ser
almoçar mais tarde, como percorrer a linha costeira do país, a pé. Aí está um
desafio que gostaria de cumprir. Seria serviço para um mês ou mês e meio, o que
me obriga a adiar a decisão, porque quando terminasse a tarefa, estaria na
contingência de ter de regressar ao trabalho mais cansada do que no início das
férias.
O meu cérebro
consegue ter ideias bastante parvas e a minha consciência emenda-o. Não deixa
de ser um aborrecimento, visto que me lembra da minha responsabilidade nas
minhas escolhas, rebentando com a teoria de Sapolsky, empurrando-me para braços
sartrianos… As férias também podem servir para se ter pensamentos parvos ou
para aquilo que nos aprouver… Enfim… Vivenciai-as como quiserdes ou puderdes e
voltaremos a reencontrar-nos em setembro. Por essa altura, espero que a
polémica em torno da disciplina de Cidadania tenha assentado. Como sempre,
muito alarido, muito aproveitamento político, pouco siso e pouco interesse em
discussões profícuas. Obviamente, a Educação Sexual não deixará de existir, mas enquanto a temática
balança entre ultraconservadores bafientos e wokistas desequilibrados perdem os
alunos e a sociedade. Importaria mais centrar a atenção noutros problemas de
maior gravidade. É preciso começar a solucionar a crise da habitação, da saúde
e da falta de professores.,,
O Governo
precisa de fazer como eu e obrigar-se a olhar para o relógio.
Boas férias !
Nina M.