Afinal, o amor mata
O evangelho deste fim de semana é a
famosa parábola do filho pródigo. Não a vou aqui resumir, por ser sobejamente
conhecida e, se porventura alguém a desconhecer, basta “googlar” que,
certamente, encontrará.
Nunca a terei compreendido muito bem
até ter sido mãe. A generosidade que nos parece excessiva com o filho ingrato, rebelde,
esbanjador, promíscuo, que se torna miserável, causa-nos prurido. Há uma
vertente justiceira, uma qualquer moral ímpia que se impõe. A moral excessiva pode
ser perversa e, por isso, devemos desconfiar de discursos implacavelmente
moralistas. Normalmente, tão exigentes em relação aos outros, a quem não se
admite uma falha, mas tão condescendentes consigo mesmos.
No entanto, como poderia um pai ou
uma mãe não acudir ao filho em apuros, ainda que este tenha errado, depois da
admissão do erro e do arrependimento sincero? O irmão responsável enfureceu-se,
pela falta de reconhecimento do seu mérito. Nunca falhou e, todavia, nunca se
sentiu agraciado. Não compreendeu o coração do pai que se curou da angústia por
ver o filho perdido recuperado. Ao pensar nisto, ocorrem-me duas coisas: a
generosidade manifestada pelo pai não foi bonomia gratuita. O filho só é
recebido em festa, porque percebeu o seu erro e mostrou o propósito de o emendar.
Também nós erramos, também os nossos filhos falham e, sucessivamente, tal como
este pai, vamos tentando guiá-los com amor. Por sua vez, o pai não falhou ao
mais novo, mas falhou um bocadinho com o mais velho, tal como falhamos todos de
cada vez que nos esquecemos de reconhecer quando fazem bem e de os elogiar no
que merecem. Quem sabe, assim, o coração do mais velho não se teria enchido de
ciúme ao ver a festa que o pai mandou preparar. O elogio certeiro é o melhor
aliado da educação e esquecemo-nos, sobremaneira, de o usar. Mesmo os maiores
asneirentos acertam, de quando em vez…
Temos, por vezes, alguma dificuldade
em lidar com a justiça que não é cega, mas efetivamente, não o deve ser. Por
alguma razão, quando um crime é cometido, se analisam as circunstâncias
atenuantes ou se usa a discriminação positiva e se fala em paridade…
A parábola aponta o caminho da
educação pela ação pedagógica amorosa ao invés do castigo cruel. Uma aponta a
escolha e a eleição do que é correto pelo respeito e pela admissão da falha; o
outro força o caminho pelo medo e pela submissão.
Esta clarividência, há dois mil anos,
numa sociedade absolutamente estratificada, onde não existia a noção de
indivíduo ou ainda a noção de que qualquer indivíduo tem o seu valor, onde
vigorava uma lei implacável e impiedosa, olhando-se para a barbárie como algo
aceitável e enraizado, é assinalável! A propósito, surge-me a parábola do
pastor, que deixa todo o seu rebanho para ir procurar a ovelha perdida. Numa
lógica economicista e materialista, não faria qualquer sentido correr o risco de
perder um rebanho inteiro para recuperar uma ovelha, mas na lógica dos olhos
que veem com o coração, aquela ovelha tem o mesmo valor de todas as outras e
nunca poderia ser abandonada. A noção do valor incomensurável de todo o ser
humano começa aqui. Apregoar, num mundo em que o imperador é um deus e
determina o que quer, como quer e quando quer, que os seus escravos têm capital
próprio, ou é loucura ou coragem suicida. Foi como foi. A crucificação como
castigo de quem se atreve a mexer com os poderes instituídos, sem medo e sem
violência. O resto da História também é sobejamente conhecida, mas enquanto
houver loucos suicidas haverá esperança para a humanidade.
Afinal, o amor mata.
Nina M.