Seguidores

sábado, 29 de março de 2025

Crónica de Maus Costumes 414

 

               Afinal, o amor mata

               O evangelho deste fim de semana é a famosa parábola do filho pródigo. Não a vou aqui resumir, por ser sobejamente conhecida e, se porventura alguém a desconhecer, basta “googlar” que, certamente, encontrará.

Nunca a terei compreendido muito bem até ter sido mãe. A generosidade que nos parece excessiva com o filho ingrato, rebelde, esbanjador, promíscuo, que se torna miserável, causa-nos prurido. Há uma vertente justiceira, uma qualquer moral ímpia que se impõe. A moral excessiva pode ser perversa e, por isso, devemos desconfiar de discursos implacavelmente moralistas. Normalmente, tão exigentes em relação aos outros, a quem não se admite uma falha, mas tão condescendentes consigo mesmos.

No entanto, como poderia um pai ou uma mãe não acudir ao filho em apuros, ainda que este tenha errado, depois da admissão do erro e do arrependimento sincero? O irmão responsável enfureceu-se, pela falta de reconhecimento do seu mérito. Nunca falhou e, todavia, nunca se sentiu agraciado. Não compreendeu o coração do pai que se curou da angústia por ver o filho perdido recuperado. Ao pensar nisto, ocorrem-me duas coisas: a generosidade manifestada pelo pai não foi bonomia gratuita. O filho só é recebido em festa, porque percebeu o seu erro e mostrou o propósito de o emendar. Também nós erramos, também os nossos filhos falham e, sucessivamente, tal como este pai, vamos tentando guiá-los com amor. Por sua vez, o pai não falhou ao mais novo, mas falhou um bocadinho com o mais velho, tal como falhamos todos de cada vez que nos esquecemos de reconhecer quando fazem bem e de os elogiar no que merecem. Quem sabe, assim, o coração do mais velho não se teria enchido de ciúme ao ver a festa que o pai mandou preparar. O elogio certeiro é o melhor aliado da educação e esquecemo-nos, sobremaneira, de o usar. Mesmo os maiores asneirentos acertam, de quando em vez…

Temos, por vezes, alguma dificuldade em lidar com a justiça que não é cega, mas efetivamente, não o deve ser. Por alguma razão, quando um crime é cometido, se analisam as circunstâncias atenuantes ou se usa a discriminação positiva e se fala em paridade…

A parábola aponta o caminho da educação pela ação pedagógica amorosa ao invés do castigo cruel. Uma aponta a escolha e a eleição do que é correto pelo respeito e pela admissão da falha; o outro força o caminho pelo medo e pela submissão.

Esta clarividência, há dois mil anos, numa sociedade absolutamente estratificada, onde não existia a noção de indivíduo ou ainda a noção de que qualquer indivíduo tem o seu valor, onde vigorava uma lei implacável e impiedosa, olhando-se para a barbárie como algo aceitável e enraizado, é assinalável! A propósito, surge-me a parábola do pastor, que deixa todo o seu rebanho para ir procurar a ovelha perdida. Numa lógica economicista e materialista, não faria qualquer sentido correr o risco de perder um rebanho inteiro para recuperar uma ovelha, mas na lógica dos olhos que veem com o coração, aquela ovelha tem o mesmo valor de todas as outras e nunca poderia ser abandonada. A noção do valor incomensurável de todo o ser humano começa aqui. Apregoar, num mundo em que o imperador é um deus e determina o que quer, como quer e quando quer, que os seus escravos têm capital próprio, ou é loucura ou coragem suicida. Foi como foi. A crucificação como castigo de quem se atreve a mexer com os poderes instituídos, sem medo e sem violência. O resto da História também é sobejamente conhecida, mas enquanto houver loucos suicidas haverá esperança para a humanidade.

Afinal, o amor mata.

 

Nina M.

 

 

sábado, 22 de março de 2025

Crónica de Maus Costumes 413

 

Boas memórias

               Arrombaram-me as veias. Deixaram-me duas medalhas negras nos braços. Ainda bem que é inverno e eles andam tapados ou poderia alguém pensar que eu, literalmente, andava a dar na veia… É o que faz ter veias que vestem um número 6 e o exame exigir um cateter 18!

               - Estou a magoar? – perguntava a menina enfermeira, enquanto mexericava na agulha, a tentar apanhar a veia…

- Não - Respondi. Senti-lhe o desalento ao deixar fugir a malandra e a dizer:

               - Não somos maldosas… isto tem de ser assim…

               - Não se preocupe. É normal (tentava tranquilizá-la) … Às vezes, para uma colheita de sangue têm de me picar mais de uma vez… tenho veias fininhas.

               - Não queria dizer-lhe nada para não a assustar, mas a agulha é grossa e tem de ser esta e eu sei que magoa… Vou ter de a picar novamente. Tentar outra vez… As agulhas não lhe metem impressão? – pergunta-me.

               - Não. Não tenho esse problema. Olhe… Já fui mãe duas vezes, portanto…

               - A menina sorri…Pois… Depois de se ter filhos parece tudo mais fácil, não é?

               - Acho que sim… As minha veias não prestam… tem de ter paciência… A conversa ficou por aqui, enquanto pensava comigo que nem boa veia poética tinha a certeza de ter quanto mais das outras… Coitaditas… Fininhas, fundas, mirraditas… Não se veem…

A desgraçada deve ter pensado que seria mais fácil, afinal, nem precisou de me baixar a tensão… Sempre baixas também, nem de me dar medicação para baixar o ritmo cardíaco… 57 pulsações por minuto… Sentadinha, descansada… Tinham de ser as veias a estragar a festa. Por fim, lá encontrou e lá fez o estrago que havia a fazer… Enquanto me punham debaixo do aparelho para o exame de rotina que entenderam que eu devia fazer, o pensamento viajava por vários caminhos… Entendi que era melhor aproveitar o tempo com boas recordações e fosse, talvez, o facto de estar à beira-mar, perto da praia da minha infância, veio-me ao pensamento o episódio que ainda durante a semana tinha narrado aos meus pequenos…

O Sininho (não sei a origem da alcunha), na verdade, o senhor é Meireles. Bem… O Sininho, que tinha uma mercearia e que era amigo dos meus pais, vendia uma broa maravilhosa, que sempre me oferecia, enquanto o meu pai esperava pela minha mãe, que era vogal na Junta de Freguesia. Ela não conduzia, apesar de encartada, e o meu pai fazia de seu motorista. Esperava que os trabalhos acabassem, mesmo ao lado da junta, na mercearia do Sininho. Eu acompanhava-o muitas vezes. Acompanhava muito o meu pai, em pequena. Também entrava com ele para o estádio do Mata Real, aos domingos à tarde… Bem… Certo verão, o Sininho convenceu o meu pai a levar a sua carrinha, de três lugares à frente e fechada atrás. Era uma carrinha para transporte de mercadoria… Pois bem, o Sininho convenceu o meu pai a levar os filhos dele e a esposa e também a nós e à minha mãe para a praia. Quinze dias de praia, no mês de julho, a fazer o trajeto entre Paços de Ferreira e Mindelo, fechados numa carrinha, bem agarrados às grades, porque as curvas da Agrela e de Guilhabreu não eram para meninos! Aquilo era uma galhofa, lá atrás… Um bando de canalha… O Sininho tinha cinco filhos e nós éramos três… Sentados em cadeiras agarrados aos ferros e uma risada quando um, mais desprevenido deslizava ao sabor de uma curva… Não sei como não havia enjoos…

Ao recordar o episódio, os meus filhos arregalavam os olhos… Eles são do tempo das cadeirinhas, bem apertados e sem bulir para não correrem o risco de serem cuspidos…

- E vocês iam assim? - perguntam espantados.

- Claro – afianço – e quando era no carro do avô, em vez de cinco cabíamos oito! Não havia obrigatoriedade de cintos atrás e a canalha ia no meio das pernas dos adultos e um miúdo, no banco da frente, com a avó Irene, normalmente, o mais pequeno.

Riem-se que nem perdidos e dizem que era uma “ciganada” e que éramos pobres. E eu só me lembro de Caco Antibes no “Sai de baixo”: Detesto pobre! Então, quando sabem que a avó levava comida de prato, mesa, cadeiras, talheres, copos de vidro, enfim… Casa montada para a praia, ficam incrédulos e questionam-se como pode alguém levar arroz e carne para comer na praia…

- Não era mais fácil ir a um restaurante? – Querem saber.

- Seria. Muito mais fácil! Seria também muito mais caro! Não havia dinheiro. Ou assim ou não havia praia e o médico aconselhava praia para as crianças, por isso, a avó, num sacrifício tremendo, às seis da manhã, tratava de acabar o almoço, que tinha deixado adiantado, no dia anterior, depois de lavar a loiça do almoço, e de fazer o jantar desse mesmo dia, no final de um dia de praia! A diversão era só para a pequenada. Para os adultos seria um tormento! Ah! E tormento também era acordar todos os dias às sete da manhã com o avô a cantar, na casa de banho, enquanto desfazia a barba e tratava da sua higiene pessoal, para nos ir acordando. Lembro-me sempre do quão penosos era… A motivação era a praia de que tanto gostava e lá me levantava a custo, porque isto de levantar cedo nunca me deixou feliz…

Atualmente, com outras condições, custa-lhes entender como se podia viver com alegria dessa maneira. Lá lhes vou dizendo que do mesmo modo que gostam tanto, quando se juntam em passeata com os primos, também para nós era igual e tanto fazia se íamos num banco nosso ou no meio das pernas dos adultos… O importante era ir!

E que boas memórias guardamos! Um tempo em que a felicidade era agarrada ao virar da esquina!

 

Nina M.

 

 

              

 

segunda-feira, 17 de março de 2025

Espanto

Sempre o espetáculo da natureza
Se oferece ante os olhos e
É impossível resistir-lhe
Na urgência de quem se desespera

A fixar eternidades na vida vã
Houvesse pintor a mostrar o céu
Impregnado de nuvens rosáceas
Num fim de tarde

Um lusco-fusco doirado
Pintalgado de rosa
Sobreposto a árvores hirtas e desnudas
Ramos direitos e esguios erguidos ao céu

Antepostas ao túnel colorido:
Um arco-íris iridescente
A embelezar o inverno e
A convidar ao paraíso



sábado, 15 de março de 2025

Crónica de Maus Costumes 412

 

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra

 

   Portugal vê-se, novamente, a braços com uma crise política de contornos inusitados. Alegadamente, não está em causa a prática de ilegalidades que impugnem a confiança, segundo parece, mas antes, questões éticas que levantam suspeições.
            Considero que, efetivamente, o primeiro-ministro se pôs a jeito, a oposição, fez o que sabe, aproveitou as circunstâncias para fragilizar a imagem do governo e, a partir de certa altura, todos se enredaram em estratégias políticas que culminaram na queda do poder e com a consequente dissolução da Assembleia e a marcação de novas eleições que ninguém desejava. O Presidente da República fez a Montenegro o que tinha feito com António Costa, quando este pediu a sua demissão. Quer num caso quer noutro, perante o cenário, acho que a ida a eleições é o mais correto, porque quem votou favoravelmente aos governos, votou, essencialmente, no seu líder. Se este se demite ou cai, então, os portugueses devem voltar a escolher novamente o primeiro-ministro. António Costa cansou-se dos sucessivos casos dos elementos do seu governo, com especial incidência para o último: o dinheiro encontrado no gabinete de alguém que lhe era próximo. Montenegro terá achado que não está para aturar os constantes ataques de que seria alvo e nem quereria submeter os seus familiares à devassa das Comissões Parlamentares de Inquérito, que em abono da verdade, nunca percebi para o que servem, já que os senhores deputados não são juízes, nem a Comissão Parlamentar é um um tribunal! Servem apenas para montar o circo mediático, num espetáculo em que o “réu” nunca se lembra de nada e os deputados exibem dotes de advocacia e alguns deles até vêm do ofício. Outras vezes, as CPI servem para arrancar boas gargalhadas. Já me ri bem, certa altura, com a cara de enfado de João Galamba e as diatribes de um deputado, que lá está, era advogado…
        Sejam os motivos quais forem, tudo soa a guerras de alecrim e de manjerona, a estratégia política para angariar simpatias e ferir de morte, se possível, os opositores. Para quem está de fora e olha ao largo, tudo parece uma luta pueril entre rapazolas irresponsáveis e inconsequentes. Fica a ideia de que o senhor Presidente da República não chamou ao gabinete os dois marmanjos que mereciam um belo puxão de orelhas, atempadamente. O que irrita profundamente é a incapacidade de olharem para a conjuntura internacional com seriedade e de se deixarem de politiquices que custam caro ao país. Custará tanto assim assumirem posição de homenzinhos e olharem para o horizonte? O que vai fazer Portugal mediante a conjuntura europeia? A Alemanha já declarou o investimento na defesa, assumindo que a Europa tem de se valer por si, porque o aliado habitual eclipsou-se, pelo menos durante quatro anos. A Europa percebeu que não pode deixar a defesa da sua integridade em mãos alheias e compreendeu que a paz pela qual se pugnou e que se tem conseguido manter, desde a Segunda Grande Guerra pode terminar. Cada membro europeu terá de assumir um posicionamento. Qual será o de Portugal? Quanto implica investir na defesa? Como vai ser feito? Volta-se ao tempo da obrigatoriedade do serviço militar ou funcionará, como nos Estados Unidos em que as forças militares são bem pagas? A Europa fará também como estes em relação à produção de armamento e começará, com o conhecimento que tem, porque isso não falta por cá, a investir em produção própria?
Estas são as questões que deveriam estar a preocupar o parlamento e a serem debatidas, porque o sonho de paz perpétua no velho continente parece não ser possível num futuro próximo.
        De repente, parece que o afastamento geográfico de Portugal em relação a outros países europeus o afasta também das grandes questões para se perder em minudências pouco significativas. Haja decoro, senhores! Caso para dizer como Fernando Pessoa:
 
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.
 
        Deixo aqui o acepipe só para abrir o apetite. Ide ler Nevoeiro, o poema que encerra Mensagem, ide…
 
Nina M.

sábado, 8 de março de 2025

Crónica de Maus Costumes 411

 

Ativismo necessário

               Hoje, é Dia da Mulher. Quando se precisa de um dia para comemorar seja o que for é sinal de que as coisas ainda não são o que deveriam ser.

               Casualmente, ouvi uma entrevista feita a Maria Teresa Horta e foi uma feliz coincidência. A poetisa, escritora, jornalista e ativista nasceu a 20 de maio de 1937 e morreu a 4 de fevereiro do corrente ano. É fundamentalmente conhecida pela sua poesia e pelas Novas Cartas Portuguesas, escritas a três mãos, pelas três Marias, juntamente com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa. As três autoras foram processadas e julgadas, em 1972, por atentado ao pudor e aos bons costumes, numa época sombria, cinzenta, da ditadura salazarista. Tiveram a brilhante ideia de enviar exemplares do livro a Simone de Beauvoir e a Marguerite Duras, o que lhes granjeou a simpatia internacional e uma sensibilização para a situação. Novas cartas Portuguesas traçam a história da situação das mulheres, em particular, e do país, em geral, naqueles anos… A censura não gostou, obviamente. Porém, já anteriormente, o seu livro poético Minha Senhora de Mim, tinha custado a Snu Abecassis a ameaça de lhe fechar a editora caso esta senhora voltasse a publicar fosse o que quer que fosse e tinha custado à poetisa ameaças de morte telefónicas, o que a levou a retirar o seu número das listas. Era a poesia erótica de Horta que causava bulício, mas como a própria afirmou, também Mourão-Ferreira enveredara por esse caminho antes e não teve quaisquer problemas. O problema era ela ser mulher e atrever-se a levantar a voz, reclamando um erotismo vivido no feminino. Foi aplaudida internacionalmente pela coragem porque, nesse tempo, as mulheres eram desprovidas de vontade. Num certo final de dia, dois homens fizeram-lhe uma espera e, saídos de um carro, com o qual a tentaram atropelar, espancaram-na. Bateram-lhe com a cabeça no passeio e foi salva por um cavalheiro que passava e julgou tratar-se de um assalto. Gritou, afugentando os cobardolas e levou Horta para o hospital. Dias difíceis, num Portugal tenebroso. A poesia corre-lhe no sangue, não fosse ela descendente da Marquesa de Alorna. Filha de pai médico e de mãe aristocrata, é criada numa família profundamente católica, mas as leituras proibidas, feitas debaixo dos cobertores, principalmente, a leitura de O Segundo Sexo, de Beauvoir, aos 15 anos e de O Maravilhoso Mundo Novo, de Huxley, haveria de lhe traçar o caminho. Aos nove anos perdeu a mãe, que se separou do pai (na época, acusada de abandonar os filhos, quando quis apenas abandonar o marido) e a avó paterna, que morreria um mês depois, a sua companheira. Tempos difíceis para a criança que se sentiu perdida. Aos 15 anos, recusou-se ir à missa com o pai. Depois de conversas com o seu confessor, cujas respostas não a satisfizeram, diz ao pai que não irá mais, por não acreditar. Inicialmente, o pai tenta forçá-la e ela cede, mas avisando-o de que não estará lá com convicção. O pai acaba por aceitar a sua posição e só a proíbe de comentar com os irmãos. Teresa Horta tinha genes de coragem a correrem-lhe nas veias e com eles fez a sua vida, mas quando lhe perguntam a razão para ela escrever, responde: “por paixão”. Tudo o resto… a inquietação, a emoção, o propósito vem por arrasto.

               No entanto, Maria Teresa Horta não corresponde aos estereótipos que se traçam das feministas. Obviamente, estereótipos não passam de preconceitos. Desenganem-se, portanto, se pensam encontrar em Horta uma mulher libertina ou uma lésbica ou uma mulher que detesta os homens. Não. Horta apenas não tolerava qualquer discriminação, injustiça ou atestado de incapacidade que se queira atribuir a uma mulher. Uma mulher como tantas outras, que executa vários papéis: de mãe, de esposa, de poetisa, de jornalista, de dona de casa, de cozinheira, de avó… De ativista, defensora dos direitos das mulheres. Esteve casada quarenta anos com o pai do filho, por quem afirmava a paixão, cozinhava, limpava, passava a ferro, “faço tudo”, diz. E quando lhe perguntam se gosta, diz que não, que ninguém gosta dessas tarefas aborrecidas, mas que têm de ser feitas. Gostava de cozinhar, mas cozinhar todos os dias é um aborrecimento, mas fazia-o. Tem de ser. Dar-lhe-ia um abraço, se pudesse. Apertado. Teresa reconhece as diferenças entre homens e mulheres e pedia apenas que elas fossem respeitadas e que as mulheres fossem vistas como seus iguais.

               Não é a feminista que não pode, não quer ou não aprende a cozinhar ou a tratar da casa, mas é aquela que trava as lutas que merecem ser travadas. É admirável e um exemplo de ativismo que vale a pena seguir.

               Perguntada sobre se sentia ainda a discriminação sobre o peso do seu nome, não hesitou em responder afirmativamente, em falar de recensões que não são feitas aos seus livros, dos prémios e reconhecimento que recebe e não são divulgados… Um apagamento, não pelo ataque como outrora, mas pelo silêncio ultrajante para com uma voz que afirma a liberdade da mulher. Quando questionada sobre o motivo, responde como um crítico literário, a certa altura, lhe afirmou: “A escrita da Teresa contesta a família”.

               Como pode a escrita de uma mulher casada durante cerca de quarenta anos, mãe e avó, contestar a família? Talvez mostre que nem a família é um lugar de paraíso, muitas vezes, porém, onde está a ofensa e a mentira?

               Em 2024, recebeu alguns prémios e foi considerada pela BBC uma das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo. Não é pouca coisa. 87 anos de uma vida cheia. É um orgulho.

 

Nina M.

 

 

 

quarta-feira, 5 de março de 2025

Edelweiss

Nos píncaros montanhosos
Frágil, nívea e de veludo
Sob ventos e neves preservada
Surge no seu esplendor

Podem tocar-te mãos suaves
Sem te arrancarem do solo
Preservam-te, assim, delicada
Sob o doce olhar do luar

De que vale a posse
De uma flor mirrada
Se ela resplandece inteira

No alto, delicada, de veludo
Na sua alvura intocada
Quem o soubesse...

sábado, 1 de março de 2025

Crónica de Maus Costumes 410

 

A dignidade não vestes fatos

            O meu filho, hoje, acusou-me de má-disposição e acusou Trump de ser o responsável pela reação mais epidérmica da mãe, que vociferou vários impropérios perante a inqualificável postura do norte-americano, no malfadado encontro que ficará nos anais da História.

Tem razão. Aquele “trinaranjus” tira-me do sério. Representa tudo o que mais desprezo. Doravante, não sei se mais algum chefe de estado aceitará conversar com o presidente americano de ânimo leve e sem fixar regras bem claras. Creio que não. Destacou-se do encontro, o extremo narcisismo, má-educação e pulhice de Trump e de JD Vance. Trump quis humilhar Zelensky, vê-lo de joelhos e forçá-lo a aceitar o acordo que a ele lhe interessaria… Vê-lo a lamber-lhe as botas e a agradecer-lhe humildemente, como sugeriu Vance a ajuda que os EUA lhe prestaram. O presidente ucraniano já o fez, em inúmeras ocasiões, mas não é ao Trump a quem ele tem de agradecer. Deve-o ao povo americano e ao seu antecessor, Joe Biden. Com a encenação que montou, sobretudo para consumo interno, Trump, talvez, quisesse mostrar ao seu eleitorado que Zelensky é um mal-agradecido e, como tal, pouco digno do auxílio que o país lhe tem vindo a prestar. O amricano deseja entregar a Ucrânia numa bandeja a Putin e, juntamente com este, esventrá-la, despojando-a dos seus recursos naturais, do quais se querem ambos apropriar. Zelensky não perdeu a compostura nem a dignidade, ao contrário de Donald, o pato… Enquanto esta figura se amesquinhava e mirrava tal o asco que consegue gerar, Zelensky, na sua dignidade, agigantava-se, porque a dignidade não veste fato nem usa um boné vermelho quase tão ridículo quanto o seu portador. Se dúvidas houvesse, neste encontro, ficaram dissipadas. O “trinaranjus” conhece apenas a cor do dinheiro e faz política como quem faz um negócio, sem atender a qualquer ética.

Chegou há pouco e já fartou o mundo com as suas vilanias. Espero que a Europa tenha entendido que durante, pelo menos, os próximos quatro anos, os EUA não são aliados de ninguém (exceto do Putin, enquanto lhes der jeito). Quando muito, poderão ser parceiros económicos, caso tenham interesse e que compete aos europeus traçar um caminho de união, um caminho próprio, sem demasiadas dependências aos mais variados níveis, incluindo a força bélica. Está na hora de a Europa olhar para si e para os seus interesses e de arranjar novas parcerias que lhe permitam defender os seus valores democráticos e a liberdade. Os EUA deixaram de ser esse baluarte e de ter essa bandeira. Há que aproveitar o conhecimento europeu. Por que razão não faz a UE a mineração na Ucrânia, ainda que seja necessário lançar a mão a outras parcerias? Trump quer combater o poder económico da China, que se assume como a verdadeira potência a seus olhos (a Rússia não lhe faz enjoo), mas estes comportamentos obrigam a Europa a olhar para outros possíveis aliados e a China não será de descartar, em termos de relações comerciais, para gerar os rendimentos necessários à produção própria em muitos setores que a Europa deixou adormecer.

 Trump pretende e pensa taxar os produtos europeus com uma tarifa de 25%, numa atitude protecionista da sua economia. Ora… Resta à Europa responder na mesma moeda. Tudo quanto seja marca americana exportada diretamente para cá, deverá ser igualmente taxada. O consumidor perde, mas é a única linguagem que o sujeito conhece. Por mim, não tenho nada da apple, não compro outro Ford nem escolho a Tesla, se tiver de mudar de carro, e em vez de Nike posso bem passar a usar Adidas. Comportamentos destes replicados pelos 449,2 milhões de pessoas que habitam na União Europeia, é capaz de fazer mossa.

Obrigatoriamente, a Europa terá de encontrar um novo caminho. Trump veio alterar a ordem mundial: não respeita tratados nem acordos, faz da NATO, da ONU e de outros organismos o seu quintal privado, com tiques de pedantismo. Alguns americanos elegeram um escarro presidente, que sonha com o Nobel da Paz para inflar o seu ego (tão gigante quanto as antigas Torres Gémeas) nem que o preço a pagar seja a capitulação de um povo barbaramente invadido. Acusa Zelensky de enviar os seus soldados à morte e de causar a destruição do seu país, mas não acusa o Putin do mesmo nem de usar carne norte-coreana para canhão, já depois de se ter apropriado indevidamente da Crimeia. Esta guerra tem um rosto deplorável: o de Putin. Trump junta-se a ele e incorre o risco de ficar na História como o pior Presidente dos EUA, de sempre! Deus proteja os norte-americanos e o mundo do presidente que elegeram.

Aos europeus, “Valete, Fratres”!

Slava Ukraine!

 

Nina M.