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quarta-feira, 13 de agosto de 2025

As cinzas de Gaza

Povoam sob destroços
Ossos quebrados e veias rasgadas
Corpos inertes e partidos, sujos
Abandonados na destruição
Mesmo se foram recolhidos
Os restos que sobraram...
Abandonados pelo mundo
Uma segunda, terceira, quarta,
Milésima repetição no faz de conta
Ninguém sabe e ninguem vê.
Mesmo quando as câmaras
De última geração e televisores ultra HD
Nos fazem entrar as imagens pelos olhos
Dia após dia dia após dia
Talvez a repetição traga o costume de acostumar
E dia após dia após dia o mal é natural
Os olhos já não se espantam
Nem se enchem de lágrimas
O coração ganha calo
[Não sabia que era possível
As mãos e os pés calejados da dureza
Sabemos disso da vida fora
Se não são as nossas mãos ou pés
Foram as dos nossos pais ou avós
Quando os nossos dedos infantis
Desenhavam rios sobre as mãos deles
A seguirem-lhes os sulcos de veias
E nas palmas, os nós, na base dos dedos,
Ganhos à força da enxada...
Mas o coração... Nunca o adivinhei calejado
Derretia com o sorriso ou a carícia...]
Hoje os corações calejam e os olhos secam
Perante a aridez da destruição
Os prédios feitos em pó
Crianças escanzeladas de tachos vazios
De copos de água com pedra de sal
A enganar a fome...
Num jejum forçado não intermitente
Que o amor nos salve a tempo!
Eu desvio os olhos e não ouço e nem vejo as notícias... Às vezes uma reportagem...
[O meu coração tem pouco calo e ainda goteja]
Que o amor nos salve a tempo!
Mas quem nos há de salvar das cinzas de Gaza?





sábado, 2 de agosto de 2025

Impressões

Se sou feliz não sei dizer
Sou alegre quanto baste
E sou faminta de vida

Sorrio se a brisa me abraça
Fecho os olhos se o calor me beija
Ao pôr do sol ergo a taça

Delicio-me ao morder uma cereja
Refresco-me nas águas cristalinas
Sem fé de encontrar uma sereia

Sereno com o livro que me ensina
Conforta-me o banho quente no chuveiro
E o jantar saboroso que se adivinha

Por entre os chistes de quem se ama
A uma mesa farta de agosto
Não há alma que não tenha chama

E tudo o mais não sei dizer
Senão da alegria de uns lençóis lavados
Do olor que um pão quente irradia

Ou do extremo frio de janeiro
Das bátegas fortes de invernia
Do lume que me aquece por inteiro