Seguidores

sábado, 5 de abril de 2025

Crónica de Maus Costumes 415

 

Redes Sociais e ignomínias inaceitáveis

            Acabei de ver um programa interessantíssimo sobre redes sociais. Nada de muito novo em relação à forma como os algoritmos funcionam, que vão alimentando a nossa curiosidade, noutros casos, alimentando a falsa sensação de companhia, criando a ilusão de que a solidão e o vazio não bate à porta.

            Muito se tem falado da responsabilidade ou da falta dela em relação à ausência de regulação nas redes sociais. Ao que parece, desde as eleições dos Estados Unidos da América, em 2020, a situação tem vindo a degradar-se. Elon Musk despediu imensa gente na sua rede social, funcionários que zelavam pela segurança e a quem competia colocar crivo no que poderia ser ou não publicado e replicado. Entretanto, usando a falácia da liberdade de expressão, Musk fez como lhe apeteceu e Zuckerberg seguiu-lhe as pisadas. As leis do mercado e do capital, para esta gente, é sempre mais forte. Interessa-lhes o lucro e nada mais. Tudo o resto são meros danos colaterais e apresentam os seus resultados ufanos e certos da sua meritocracia.

Acontece que Musk é capaz do pior. A ingerência nas eleições dos Estados Unidos, no primeiro mandato de Trump foi reconhecida e a tentativa que fez, recentemente, na Alemanha mostram a sua falta de escrúpulos. Ao abrigo da liberdade de expressão, não se coíbe de permitir que circulem mentiras nas suas rede social, de forma a influenciar o rumo de certos acontecimentos. Fá-lo descarada e impunemente. Ainda assim, permitir que essas coisas aconteçam, mas a responsabilidade não ser sua diretamente, isto é, não ser ele o plantador nem o propagador da falsidade, é mau, porém, ainda se vai condescendendo, agora, quando para além de tudo, é ele também o responsável por espalhar a mentira, já é inaceitável e é inexplicável a ausência de qualquer sanção. Foi o que aconteceu no caso de Southport, em Inglaterra. Alguns muçulmanos estiveram perto de um linchamento, porque começou a circular nas redes sociais que um muçulmano seria o responsável pelo homicídio de uma menina, na localidade. Obviamente, os comentários de ódios, racistas e de incentivo à violência fizeram-se sentir e foram em crescendo, terminando à porta de uma mesquita, com gritos, insultos e palavras de ordem xenófoba. Um motim que exigiu a intervenção musculada da polícia. A notícia era falsa, plantada, comentada e replicada por um grupo de extrema-direita, no X (antigo Twitter). Significa que não há qualquer controlo sobre os conteúdos plantados nessa rede, mas para além disso, o pior mesmo é o comportamento de Elon Musk: não só permite que essas notícias falsas circulem, como ainda as comentou (com palavras pouco abonatórias) e replicou o vídeo. Quase se perdiam vidas devido a rumores plantados com uma agenda específica e os responsáveis pelas redes não sofrem qualquer tipo de reprimenda! Depois dessa manifestação violenta contra os muçulmanos residentes em Southport, a polarização tornou-se mais intensa. Um advogado indiano, viu-se mesmo obrigado a mudar de residência com a sua família e passado uns tempos, as filhas ainda não se sentiam confiantes para saírem à rua, com medo de serem atacadas. Mensagens de ódio aos imigrantes, de apelo a revoluções e a comportamentos selvagens circulam livremente, sem que ninguém se imponha.

            É com consternação que tenho de reconhecer que este tipo de conteúdo tem de ser censurado. Eu que defendo em pleno a liberdade, eu que admiro todos aqueles que tiveram a coragem de se rebelar contra regimes totalitários castradores do pensamento e da propriedade intelectual de cada um, tenho de admitir que há situações que exigem a suspensão da liberdade. Nem lhe chamaria isso, porque usar uma rede social para mentir e instigar o ódio, não é liberdade, mas antes libertinagem. Portanto, nestes assunto, a palavra de ordem, é sim, proibir.

No documentário, uma mãe (pobre coitada) chorava o suicídio da filha, jovem vulnerável, com problemas psicológicos agravados pelas redes sociais. Vieram a descobrir-lhe, no diário, os vídeos que ela via e as constantes alusões ao suicídio com que o seu mural era invadido. A mãe crê que o gesto fatal da filha foi potenciado pela rede social, que nada faz para evitar que este tipo de vídeo circule. Crê que a filha poderia estar viva e revolta-se contra a impunidade de quem troca vidas humanas pelo grupo, olhando para elas como meros danos colaterais.

Perante este cenário pavoroso de violência gratuita nas redes, a Austrália prepara-se para proibir o acesso a redes sociais a menores de dezasseis anos. Eu aplaudo a medida. Haja alguém com coragem de resolver um problema que todos nós já percebemos existir, mas todos fogem, evitam tomar decisões mais drásticas com receio, talvez, de serem apelidados de coisas menos abonatórias.

A par disto, e sem querer abordar o temas dos rankings, a escola pública mais bem classificada, curiosamente, teve a coragem de proibir o uso do telemóvel pelos alunos, nas escolas. Até aqui, ainda considerei que os alunos pudessem apenas deixá-los numa caixa, junto ao professor, mas pelo que vou vendo e lendo, pensando nos prós e nos contras, creio que a proibição traz mais vantagens do que desvantagens. Basta lembrar-nos do caso da semana, da menina de dezasseis anos que foi violada por três marmanjos, cujo vídeo circulou pela Internet, obtendo milhares de visualizações. Que sociedade de trogloditas estamos a criar! Nem consigo imaginar o sofrimento da jovem e dos seus pais. Só de pensar que pudesse acontecer algo de semelhante à minha menina, eu ensandeço, as minhas tripas fervem e nem escrevo o que me vai na alma, porque seria censurada. Cometem o crime e ainda o põem a circular na Internet! E eu sei que os jovens meliantes também precisam de ser intervencionados, mas a primeira coisa que me ocorre é de umas lombeiradas bem assentes (ainda devem existir paus de marmeleiro), para ver se deixam de ser uns pulhas animalescos e se começam a ter princípios decentes! Depois, sim, venham os psicólogos e assistentes sociais e o diabo, que demasiadas vezes protegem quem tem de aprender a viver em sociedade e a ser responsável pelos seus atos. Quanto às pessoas que viram o vídeo, se o replicaram, para essas, só tenho uma palavra: asco! A menina não foi violada apenas uma vez… Foi abusada de todas as vezes que alguém abriu, viu e republicou! Vergonhoso. Absolutamente imperdoável e nojento.

A sociedade está cega. Os jovens estão doentes e os adultos fazem como as avestruzes. A cegueira branca de Saramago chegou e os organismos com responsabilidade assobiam para o lado. Em primeira instância, quando houver novamente governo, sim, gostaria de ver coragem política para proibir o uso de telemóvel por parte dos alunos, durante as aulas. São maiores as vantagens do que os prejuízos. Não atirem a responsabilidade desta medida para a autonomia das escolas. Isto não é um assunto para cada escola decidir. É um problema social ao qual se deve pôr cobro. Grande parte da indisciplina existente na escola ficaria atenuada. Não tenho a mínima dúvida sobre isto.

 A minha esperança é que com os telemóveis se vá, também, a alienação em que esta juventude vive, em que nada lhe interessa, nada sabe e nada quer aprender, em que os ídolos são os idiotas dos “influencers” (cada um mais parvo e mais ignorante do que o outro) em vez de apreciar o verdadeiro conhecimento e a verdadeira aprendizagem. Obrigá-la a pausar, a cultivar-se e a interagir olhos nos olhos, para ver se a empatia, que anda moribunda, não falece de vez.

 

Nina M.