Redes Sociais e ignomínias inaceitáveis
Acabei de
ver um programa interessantíssimo sobre redes sociais. Nada de muito novo em
relação à forma como os algoritmos funcionam, que vão alimentando a nossa
curiosidade, noutros casos, alimentando a falsa sensação de companhia, criando
a ilusão de que a solidão e o vazio não bate à porta.
Muito se tem
falado da responsabilidade ou da falta dela em relação à ausência de regulação
nas redes sociais. Ao que parece, desde as eleições dos Estados Unidos da
América, em 2020, a situação tem vindo a degradar-se. Elon Musk despediu imensa
gente na sua rede social, funcionários que zelavam pela segurança e a quem
competia colocar crivo no que poderia ser ou não publicado e replicado.
Entretanto, usando a falácia da liberdade de expressão, Musk fez como lhe
apeteceu e Zuckerberg seguiu-lhe as pisadas. As leis do mercado e do capital,
para esta gente, é sempre mais forte. Interessa-lhes o lucro e nada mais. Tudo
o resto são meros danos colaterais e apresentam os seus resultados ufanos e
certos da sua meritocracia.
Acontece que Musk é capaz do pior. A
ingerência nas eleições dos Estados Unidos, no primeiro mandato de Trump foi reconhecida
e a tentativa que fez, recentemente, na Alemanha mostram a sua falta de
escrúpulos. Ao abrigo da liberdade de expressão, não se coíbe de permitir que
circulem mentiras nas suas rede social, de forma a influenciar o rumo de certos
acontecimentos. Fá-lo descarada e impunemente. Ainda assim, permitir que essas
coisas aconteçam, mas a responsabilidade não ser sua diretamente, isto é, não
ser ele o plantador nem o propagador da falsidade, é mau, porém, ainda se vai
condescendendo, agora, quando para além de tudo, é ele também o responsável por
espalhar a mentira, já é inaceitável e é inexplicável a ausência de qualquer
sanção. Foi o que aconteceu no caso de Southport, em Inglaterra. Alguns
muçulmanos estiveram perto de um linchamento, porque começou a circular nas
redes sociais que um muçulmano seria o responsável pelo homicídio de uma menina,
na localidade. Obviamente, os comentários de ódios, racistas e de incentivo à
violência fizeram-se sentir e foram em crescendo, terminando à porta de uma
mesquita, com gritos, insultos e palavras de ordem xenófoba. Um motim que
exigiu a intervenção musculada da polícia. A notícia era falsa, plantada,
comentada e replicada por um grupo de extrema-direita, no X (antigo Twitter).
Significa que não há qualquer controlo sobre os conteúdos plantados nessa rede,
mas para além disso, o pior mesmo é o comportamento de Elon Musk: não só
permite que essas notícias falsas circulem, como ainda as comentou (com palavras
pouco abonatórias) e replicou o vídeo. Quase se perdiam vidas devido a rumores
plantados com uma agenda específica e os responsáveis pelas redes não sofrem
qualquer tipo de reprimenda! Depois dessa manifestação violenta contra os muçulmanos
residentes em Southport, a polarização tornou-se mais intensa. Um advogado
indiano, viu-se mesmo obrigado a mudar de residência com a sua família e
passado uns tempos, as filhas ainda não se sentiam confiantes para saírem à
rua, com medo de serem atacadas. Mensagens de ódio aos imigrantes, de apelo a
revoluções e a comportamentos selvagens circulam livremente, sem que ninguém se
imponha.
É
com consternação que tenho de reconhecer que este tipo de conteúdo tem de ser
censurado. Eu que defendo em pleno a liberdade, eu que admiro todos aqueles que
tiveram a coragem de se rebelar contra regimes totalitários castradores do
pensamento e da propriedade intelectual de cada um, tenho de admitir que há
situações que exigem a suspensão da liberdade. Nem lhe chamaria isso, porque
usar uma rede social para mentir e instigar o ódio, não é liberdade, mas antes libertinagem.
Portanto, nestes assunto, a palavra de ordem, é sim, proibir.
No documentário, uma mãe (pobre
coitada) chorava o suicídio da filha, jovem vulnerável, com problemas
psicológicos agravados pelas redes sociais. Vieram a descobrir-lhe, no diário, os
vídeos que ela via e as constantes alusões ao suicídio com que o seu mural era
invadido. A mãe crê que o gesto fatal da filha foi potenciado pela rede social,
que nada faz para evitar que este tipo de vídeo circule. Crê que a filha
poderia estar viva e revolta-se contra a impunidade de quem troca vidas humanas
pelo grupo, olhando para elas como meros danos colaterais.
Perante este cenário pavoroso de
violência gratuita nas redes, a Austrália prepara-se para proibir o acesso a
redes sociais a menores de dezasseis anos. Eu aplaudo a medida. Haja alguém com
coragem de resolver um problema que todos nós já percebemos existir, mas todos
fogem, evitam tomar decisões mais drásticas com receio, talvez, de serem apelidados
de coisas menos abonatórias.
A par disto, e sem querer abordar o
temas dos rankings, a escola pública mais bem classificada, curiosamente, teve
a coragem de proibir o uso do telemóvel pelos alunos, nas escolas. Até aqui,
ainda considerei que os alunos pudessem apenas deixá-los numa caixa, junto ao
professor, mas pelo que vou vendo e lendo, pensando nos prós e nos contras,
creio que a proibição traz mais vantagens do que desvantagens. Basta
lembrar-nos do caso da semana, da menina de dezasseis anos que foi violada por
três marmanjos, cujo vídeo circulou pela Internet, obtendo milhares de visualizações.
Que sociedade de trogloditas estamos a criar! Nem consigo imaginar o sofrimento
da jovem e dos seus pais. Só de pensar que pudesse acontecer algo de semelhante
à minha menina, eu ensandeço, as minhas tripas fervem e nem escrevo o que me
vai na alma, porque seria censurada. Cometem o crime e ainda o põem a circular
na Internet! E eu sei que os jovens meliantes também precisam de ser
intervencionados, mas a primeira coisa que me ocorre é de umas lombeiradas bem
assentes (ainda devem existir paus de marmeleiro), para ver se deixam de ser
uns pulhas animalescos e se começam a ter princípios decentes! Depois, sim,
venham os psicólogos e assistentes sociais e o diabo, que demasiadas vezes
protegem quem tem de aprender a viver em sociedade e a ser responsável pelos
seus atos. Quanto às pessoas que viram o vídeo, se o replicaram, para essas, só
tenho uma palavra: asco! A menina não foi violada apenas uma vez… Foi abusada
de todas as vezes que alguém abriu, viu e republicou! Vergonhoso. Absolutamente
imperdoável e nojento.
A sociedade está cega. Os jovens
estão doentes e os adultos fazem como as avestruzes. A cegueira branca de Saramago
chegou e os organismos com responsabilidade assobiam para o lado. Em primeira
instância, quando houver novamente governo, sim, gostaria de ver coragem política
para proibir o uso de telemóvel por parte dos alunos, durante as aulas. São
maiores as vantagens do que os prejuízos. Não atirem a responsabilidade desta
medida para a autonomia das escolas. Isto não é um assunto para cada escola
decidir. É um problema social ao qual se deve pôr cobro. Grande parte da
indisciplina existente na escola ficaria atenuada. Não tenho a mínima dúvida sobre
isto.
A minha esperança é que com os telemóveis se
vá, também, a alienação em que esta juventude vive, em que nada lhe interessa,
nada sabe e nada quer aprender, em que os ídolos são os idiotas dos “influencers”
(cada um mais parvo e mais ignorante do que o outro) em vez de apreciar o
verdadeiro conhecimento e a verdadeira aprendizagem. Obrigá-la a pausar, a
cultivar-se e a interagir olhos nos olhos, para ver se a empatia, que anda
moribunda, não falece de vez.
Nina M.